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1/33 Uma tentativa de explicação do ponto de vista da lava-jato porque Moro e Dallagnol acham que estão certos (mas não estão!). Segue o (longo) fio.
2/33 Uma das inovações institucionais dos últimos 15 anos no combate à corrupção foi a criação de forças tarefas, envolvendo vários órgãos de controle. Não apenas polícia e MP, mas receita federal, COAF etc. trabalhando juntos
3/33 Outra inovação foi a criação, em 2003, pelo judiciário, de varas especializadas em lavagem de dinheiro, justamente o caso da 13a vara federal de Curitiba, da qual Sérgio Moro foi titular até o ano passado.
4/33 Essas varas foram criadas justamente pela complexidade de crime financeiro e de lavagem de dinheiro. É muito difícil investigar esse tipo de crime - e também, de corrupção - e por isso o próprio judiciário entendeu a necessidade de uma vara especializada.
5/33 Nesse sentido, o juiz deve ter compreensão do quebra-cabeça desses crimes para poder não apenas julgar bem, mas autorizar adequadamente o que for necessário para que o MP e polícia possam fazer seu trabalho.
6/33 É natural, portanto, q um juiz desse tipo trabalhe em colaboração estreita com o MP. Vale lembrar, a esse respeito, p. e., como se deu a operação Castelo de Areia (sobre esta operação, veja o que escreveu a ex-diretora executiva da @trbrasil: natpaiva.wordpress.com/2015/04/15/as-…)
7/33 A Castelo de Areia descobriu que as grandes construtoras estavam envolvidas em esquemas de corrupção, envolvendo pelo menos sete partidos políticos: PSDB, DEM, PPS, PMDB, PSB, PDT e PP, tendo como centro a construtora Camargo Corrêa.
8/33 A operação, porém, foi anulada no STJ, porque as quebras de sigilo autorizadas pelo Juiz Fausto de Sanctis tiveram por base denúncia anônima. O que alegou a Polícia Federal e o MP? Que eles verificaram a idoneidade da denúncia anônima.
9/33 Ora, isso só é possível se você puder garantir ao juiz de primeira instância que você sabe quem é o denunciante, ainda que não possa colocar no papel, por quaisquer razões (por exemplo, garantir segurança da denunciante)
10/33 Em outras palavras, provavelmente havia colaboração informal entre os membros da operação Castelo de Areia e o Juiz de Sanctis. De fato, é muito difícil imaginar que uma operação de tamanha complexidade não tenha a colaboração bastante próxima de um juiz especializado
11/33 Crimes desse tipo requerem que o juiz forme uma opinião antecipada sobre a provável culpa, para que sejam autorizadas tamanhas supressões de direitos como quebra de sigilo por 14 meses (Castelo de Areira) ou prisões preventivas de mais de ano (lava-jato).
12/33 Assim, tanto MP quanto juiz de primeira instância tendem a ver como natural esse tipo de colaboração, pela característica mesmo da complexidade do crime e do potencial de impacto.
13/33 Agir formando opinião independente sobre culpabilidade para cada pedido de quebra de sigilo, condução coercitiva, apreensões e prisão preventiva e temporária tornaria inviável investigar e punir crimes tão complexos e grandes.
14/33 Neste modelo, a repressão ao crime é o principal objetivo da justiça penal - com máximo de velocidade e finalidade. Poderes policiais devem ser expandidos para investigar, prender, buscar e condenar criminosos.
15/33 O processo penal deveria se assemelhar a uma fábrica, com os casos se movendo em direção à sua conclusão e, se a polícia faz uma prisão e o promotor faz uma acusação formal, deve haver presunção de culpa, pois o trabalho deles é altamente confiável.
16/33 Essa visão reflete aquilo que o estudioso do direito americano Packer chamou de “modelo judicial de controle de crime”. Como contraposição a esse modelo, Packer apresentou o modelo do devido processo legal.
17/33 Suas características seriam: a principal função da justiça penal deve ser preservar o devido processo legal ou imparcialidade perante a lei; poderes policiais devem ser limitados, para evitar a opressão do indivíduo.
18/33 O processo penal deve ser pensado como uma corrida de obstáculo, consistindo de uma série de salvaguardas legais para impedir que um inocente seja condenado injustamente; uma pessoa só deve ser condenada se houver provas coletadas de acordo com a lei.
19/33 Moro e Dallagnol não apenas trabalham com o modelo de controle do crime, mas também têm buscado ativamente mudar as leis brasileiras para que este seja o modelo predominante, bastando para isso ver as dez medidas contra corrupção do MP e o pacote anti-crime de Moro.
20/33 Ocorre que nossa legislação, especialmente após a Constituição Federal de 88 é predominantemente garantista, isto é, adota o modelo do devido processo legal. Nesse sentido, as leis brasileiras impõem limitações ao tipo de conduta adotados pelo MP e Moro na lava-jato.
21/33 N apenas isso, mas o sucesso da operação lava-jato, como sabiam Moro e Dallagnol, depende de apoio popular para evitar que a operação seja anulada. Acusações de vieses são comuns e preservar a imagem e confiança de que a justiça é imparcial é fundamental
22/33 Não por acaso o magistrado italiano Gherardo Colombo, que atuou na operação Mãos limpas, chamou a atenção para um problema institucional brasileiro (politica.estadao.com.br/noticias/geral…). Segundo ele:
23/33 Existe uma diferença notável [entre Br e It] sobre o perfil do controle dos magistrados. Na Itália existe o MP, que faz a investigação. Existe o juiz da investigação preliminar, q controla a atividade do MP e q emite todos os procedimentos que restringem em qualquer medida
24/33 a liberdade como a custódia cautelar na cadeia, as interceptações telefônicas e por aí vai. Quando a investigação termina, um outro juiz, um juiz para a audiência preliminar, decide se vai mandar a julgamento o investigado ou mesmo se recusa a abertura do processo.
25/33 Mas aquele que faz a investigação pode, em alguma medida, ser influenciado por aquilo que descobriu, tanto que, na Itália, o juiz que decide não pode conhecer o conteúdo dos atos processuais senão por meio do debate no tribunal.
26/33 Então, institucionalmente o Brasil não criou essa separação entre quem instrui o processo e quem vai emitir a sentença. E isso permite que o juiz forme presunção de culpa antes mesmo do julgamento.
27/33 E, enamorados por suas teses, e colaborando de forma próxima com o MP, Moro acabou por exceder completamente o papel de juiz e, conforme as conversas reveladas pelo Intercept (supondo que são verdadeiras), acabou com qualquer vestígio de imparcialidade
28/33 E, em um caso tão importante como a lava-jato, e ainda mais sabendo do histórico das operações anteriores que foram anuladas, cometer tal ato revela não apenas irresponsabilidade, mas hubris.
29/33 A crença de que está acima da lei e da ética, de que não pode fazer nada errado. Em certo sentido, parece-me, se assemelha ao Lula, que se considera a pessoa mais honesta do Brasil. Essa auto-imagem engrandecida de si mesmos não permitiu a eles verem seus erros.
30/33 Do ponto de vista institucional, a lição que o Brasil precisa tirar é que é urgente rever essa ausência de separação entre o juiz que autoriza e coordena investigação e aquele que sentencia. É assim em vários países do mundo e faz parte da boa prática da justiça.
31/33 Que nem Moro no seu pacote de reforma criminal, nem o MP nas 10 medidas anti-corrupção tenham mencionado isso mostra como eles não entenderam o tamanho do problema de como funciona essa parte da justiça no Brasil.
32/33 Os avanços na construção de um país mais íntegro não podem depender apenas de pessoas extremamente éticas e ciosas dos seus deveres. Precisamos de instituições que fechem as janelas de oportunidade para malfeitos.
33/33 Há um provérbio alemão (que talvez tenha origem na Rússia) que diz: Vertrauen ist gut, Kontrolle ist besser! Ou seja, “confiança é bom, controle é melhor!”. Precisamos adotar esse provérbio aqui no Brasil.
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