Thread by @dbelemlopes

VAMOS FALAR SOBRE O 'FUTURE-SE'?

Lançado hoje com fanfarra, plano do governo para as universidades federais propõe soluções já praticadas no hemisfério norte para tentar revolucionar nossa matriz de ensino superior.

Comento os equívocos (e acertos) do programa. Siga o fio. 👇

1) O 'Future-se', ao contrário do indicado pelo marqueteiro do MEC, não é exatamente visionário ou futurista. Apropria-se de um rol de "boas práticas" nos eixos de P&D, da Governança e da Internacionalização. Não há, contudo, coesão interna ao programa. Há até propostas exóticas.

2) Começo pelos estrangeirismos: endowment e naming rights. Com base na empiria, parece equivocado construir um plano baseado na expectativa de que as elites empresariais do 🇧🇷 destinarão fundos para P&D. Naming rights, como o futebol demonstra, não colam. espn.com.br/futebol/artigo…

3) A alienação dos bens imóveis das universidades, a constituição de fundo soberano, a criação de OS para a gestão de ativos e outras soluções do mercado financeiro tendem a transformar a matriz publicística em privatística, com os riscos que isso embute. investe.sp.gov.br/noticia/99-das…

4) O uso de rankings internacionais como bússola, como propõe o Future-se, é acrítico. Importa considerar que esses instrumentos de aferição de desempenho, apesar de importantes para a gestão, carregam vieses etnológicos, metodológicos e mercadológicos. epoca.globo.com/rankings-inter…

5) A noção de que é necessário trazer mais prêmios Nobel aos campi brasileiros soa ingênua. Grandes cientistas estão inseridos em circuitos de produção acadêmica muito próprios. Trazê-los a passeio não significa importar suas infraestruturas de pesquisa. agencia.fapesp.br/grandes-projet…

6) A ênfase no ensino de idiomas é interessante, mas traz consigo, novamente, o viés privatístico. Por que se associar a escolas de natureza jurídica privada? Na universidade a cujo quadro pertenço, ensinamos línguas a 5 mil indivíduos com a mão de obra qualificada que formamos.

7) A preocupação com compliance é justa. Gosto do compromisso com metas de gestão transparentes. Resta saber como tais objetivos serão estabelecidos. É fundamental associá-los com o respeito a mecanismos de consulta à comunidade acadêmica. oglobo.globo.com/sociedade/educ…

8) Outro acerto é deslocar o alvo para a empregabilidade do egresso. Há muito que percebo, entre meus alunos, a angústia gerada pela falta de perspectiva profissional. O trabalho é parte do "mundo da vida" - para usar uma expressão cara a certo marxismo. exame.abril.com.br/carreira/brasi…

9) O incentivo à arrecadação de receitas e ao comércio de produtos derivados de PeD das universidades esbarra em óbices legais. Há conflito evidente entre as normativas vigentes e o que se está a propor. Prato cheio para os órgãos de controle-CGU, TCU, MPF.www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/…

10) Ainda que o Future-se simbolize um importante esforço de catching-up do sistema de ensino superior e pesquisa do Brasil em relação ao resto do mundo, minha impressão é de um certo amadorismo, que vai das propostas em si à maneira de "embrulhá-las" e apresentá-las à sociedade.

PS. Embora desejável o aumento de capital privado no fomento a P&D, este é o acumulado empírico: mesmo com incentivo fiscal, o empresário do 🇧🇷 não bota dinheiro. Como ouvi por daí, ele prefere "comprar o produto pronto". Assim não há Future-se que pare de pé.