O que é capacitismo? Pergunto porque não sei mesmo o que é. Queria entender o conceito. — Anon, eu tentei responder aqui, mas a resposta ficou enorme. Eu vou fazer uma thread na TL, pode ser? curiouscat.me/paty_kisses/po…
Bom, tinha prometido ao anon uma explicação e não tinha tido tempo de vir aqui escrever. Vou tentar responder da forma mais simples que eu puder, mas já aviso que vai ser um textão. Quem se irritar com isso, vai dar uma volta. Daqui meia hora a gente conversa de novo.
Basicamente, capacitismo é a discriminação sofrida por causa da condição física, mental ou intelectual de alguém. Dentro desse nicho, estão as pessoas com deficiência, que são os principais alvos desse tipo de discriminação.
Por exemplo, é capacitista você se dirigir a alguém que está acompanhando uma pessoa com deficiência por presumir que ela não tem autonomia para tomar decisões ou entender o que você vai falar. A @milamesmo deu um bom exemplo disso essa semana.
Também é capacitista achar que a pessoa com deficiência é, por definição, uma pessoa com uma missão especial no mundo, que veio ensinar lições aos outros. Essa visão redentora tira o caráter humano da pessoa. Ela não tem a chance de ser um semelhante. É um ente metafísico.
"Ué, é só isso?"
Sim, é só isso.

É fácil de entender, né?

"Então pra que você fez textão?"

Pra você entender por quê isso é uma forma de opressão.
A questão que muita gente não se dá conta é que os corpos todos são diferentes. Todos têm particularidades físicas - de altura, de peso, de mobilidade - mas isso atrapalha alguns processos desenvolvidos e reforçados pela sociedade industrial.
Quando as coisas começaram a ser produzidas em larga escala, foi preciso definir um padrão pra todas as coisas, pra que as máquinas pudessem reproduzi-las em série e com o máximo de lucro possível.
Por causa disso, todas as roupas passaram a ter um tamanho x, os sapatos também, as cadeiras, também, as casas também e tudo que poderia ser produzido em larga escala. Isso impactou também nossa forma de ver o mundo e de lidar com pessoas. Passamos a valorizar o padrão em tudo.
Também foi dimensionado o quanto as pessoas poderiam trabalhar e o valor delas próprias passou a ser atrelado a isso: ao quanto conseguiam produzir.

E quem não se encaixou nesses tamanhos? E quem não podia produzir (ou produzia menos)?
Quem não se encaixou nessa lógica passou a ser visto como menor ou sem valor: pessoas idosas, crianças, pessoas gordas (que sofrem uma opressão mais específica - leia sobre gordofobia) e, claro, pessoas com deficiência, o maior volume de pessoas sujeitas a essa situação.
No Brasil, isso significa, hoje, dar a 1/4 da população o rótulo de inúteis, menores, menos capazes ou com menor valor que uma pessoa mais próxima do padrão.

"O Brasil tem isso tudo de aleijado????"

Tem. Se você não vê essas pessoas no seu mundo, comece a se perguntar por quê.
Por causa disso, as pessoas com deficiência são invisibilizadas em inúmeros contextos e situações e nem o básico do básico lá da Constituição Federal a gente tem plenamente garantido (alô, dignidade humana!). Na sociedade de hoje, tudo relativo à deficiência é meio invisível.
Pra dar alguns exemplos: a cidade, os espaços públicos, tudo que nos cerca, ainda são um pouco território proibido pra quem tem uma deficiência. Da forma como são pensadas, as cidades são um desafio enorme de mobilidade pra quem tem uma deficiência. Tipo uma prova com barreiras.
Fora isso, "cuidador" ainda é bastante visto mais como tarefa da família do que como uma profissão de fato (se fosse visto com mais ênfase, talvez o governo até pudesse investir em programas sociais com esse tema). Não é um supérfluo, nem um luxo. É um profissional necessário.
"E daí? Que que isso tem a ver com o que eu perguntei?"

Eu disse tudo isso pra dizer que capacitismo também é um tipo de discriminação que estrutura muito a sociedade de hoje ainda. Não é só um comportamento individual. É um dos pilares da sociedade excludente que a gente tem.
"Ah, minha filha, mas você tá exagerando. Antigamente quem tinha deficiência ficava preso no asilo. Ficava escondido em casa. Hoje em dia a pessoa com deficiência pode sair. Tem rampa"

Ah, tem?

Dá uma volta aí no seu quarteirão. Vê quantas calçadas têm condições boas.
Além disso, nem toda deficiência é motora. Quantos serviços públicos nós temos em LIBRAS? Quantos portais (públicos e privados) nós temos disponíveis com descrição de imagens, auxílios pra baixa visão?

Pode ir lá contar. Eu espero.
Então, em uma certa medida, tem muita gente escondida em casa ainda sim. Sem poder agir de forma autônoma fora de casa. Mas o pensamento positivista que veio depois desse período industrial induz a gente a pensar que as pessoas fazem isso porque querem.
Enfim. Dá pra falar de desdobramentos disso pra sempre, exatamente porque é uma opressão bem estrutural na sociedade.

"Bom, mas se é uma questão coletiva e social, não dá pra eu fazer nada, né?"

Dá sim. Dá pra fazer várias coisas.
Diversifique as pessoas com quem você se relaciona. Procure conviver com quem tem uma deficiência. Escute o que essas pessoas dizem. Se você tiver filhos, estimule essa convivência com ele também. Aos poucos, o olhar de vocês vai se educar e você vai perceber quando acontecer.
Se você perceber, perto de você, questões de exclusão, se manifeste. A indignação coletiva é válida muitas vezes. Uma calçada melhor também vai ser boa pra você, compre essa briga também. Se puder, reverbere as vozes de quem fala sobre isso, dê espaço.
Leia também mais explicações sobre isso, de outras pessoas. A minha tá longe de ser a melhor, ou a mais completa. Aqui mesmo muita gente fala a respeito disso, de muitas formas. E quando tiver dúvidas, pergunte a quem passa por isso, como você fez agora.

Espero ter ajudado.
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