Thread by @BrunoGarschagen

Embora eu escreva enquanto rola a crucial sessão do Parlamento britânico, depois que a Suprema Corte considerou ilegal o adiamento da volta do recesso, alguns apontamentos sobre o que está acontecendo no Reino Unido:

Ao decidir que o adiamento do retorno do recesso parlamentar foi ilegal, a Suprema Corte britânica adotou um lado político na discussão sobre o Brexit, e esse lado é contrário à proposta de saída (com ou sem acordo) prometida pelo primeiro-ministro Boris Jonhson.

A Suprema Corte fez mais, e isso não está sendo considerado: colocou em causa a decisão da Rainha Elizabeth II - anuência para adiamento -, o que é uma clara interferência no poder da Monarca. Concomitantemente, declarou tacitamente que a Rainha tomou uma decisão ilegal. É grave.

É corolário da ignorância reinante a reação daqueles que celebram a decisão da Suprema Corte como o restabelecimento da democracia, pois a decisão também ataca a vontade democrática manifestada pelos eleitores que votaram a favor da saída do Reino Unido da União Europeia.

Outro ataque à democracia foi perpetrado, antes, pelo Parlamento ao aprovar uma lei que impede o Brexit sem acordo e sem a sua chancela, e ao rejeitar a convocação de nova eleição solicitada pelo primeiro-ministro.

Contraditoriamente, políticos, jornalistas, comentaristas contrários ao Brexit viram nas decisões do Parlamento e da Suprema Corte uma defesa exemplar da democracia. Inacreditável.

Mais curiosa é a reação de quem acha que Boris Johnson é um populista da extrema direita, logo ele que, estudioso e admirador da política romana e de estadistas gregos como Péricles, tem Winston Churchill como influência direta.

O mesmo Churchill que hoje seria qualificado por essas mesmas pessoas da mesma forma: como um populista de extrema-direita.

Pior do que a ignorância afetada de quem se arrisca a falar a respeito do que desconhece (política britânica e de conceitos de filosofia e ciência política) é opinar como se os que discordam estivessem moralmente errados, a começar pelos britânicos que defendem a saída.

Ontem, ao ser informado da decisão da Suprema Corte, e perante a pressão para que renuncie, o primeiro-ministro disse que não renunciará; que tentará mais uma vez convocar nova eleição; e que prosseguirá com o plano de saída da U. Europeia, com ou sem acordo, em 31 de outubro.

Diante do cansaço da sociedade pelo prolongamento do processo de saída e do comportamento de políticos e magistrados, que se recusam a aceitar a vontade da sociedade democraticamente expressa no referendo de 2016, o Brexit tem sido revelador da arrogância fatal das elites...

...e de seu descolamento da sociedade: a democracia só vale se o resultado for o desejado por eles. Caso contrário, o povo deve ser alertado de que não tem condições de fazer escolhas. Depois, dizem não entender por que aquilo que dizem e fazem está cada dia mais em descrédito.

Dessa vez, porém, essas elites enfrentam um primeiro-ministro que não teme lutar e que, à maneira de Péricles no discurso em homenagem aos mortos na Guerra do Peloponeso, defende a liberdade, a democracia e o espírito e o legado político daqueles que construíram o Reino Unido.