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No dia da consciência negra precisamos lembrar de três coisas importantes:
1. Ainda há racismo no Brasil e ele afeta a vida de muita gente.
2. O racismo no Brasil, ainda bem, é menor do que na Europa e nos EUA.
3. Disparidade estatística não (necessariamente) indica racismo.
De (1):
É o racismo que faz pessoas negras e pardas passarem por situações constrangedoras como policial pedir documento do carro para o colega branco e não para o motorista, ser mandado pro elevador de serviço, ter de provar 500 milhões de vezes ter capacidade de fazer algo.
É o racismo que faz pessoas brancas/pardas mais velhas não querem o serviço de um negro seja ele um pedreiro ou um médico (sim, já vi casos desses), que vejam o amigos do neto como "projeto social", ou o namorado da neta como um pária.

A gente ainda tem muito a melhorar aqui.
Mais um detalhe importante: durante e pós-escravidão o governo brasileiro restringiu acesso de negros e pardos à propriedade privada e isso ainda gera muitas consequências.
Houve componente racial nisso? Indubitavelmente! Mas também há muito do arcabouço institucional brasileiro.
No Brasil, o Estado é dono de tudo e o provedor dos direitos. Com isso, ele determina quem tem acesso à propriedade e o que se pode fazer com ela. É esse Estado que impede até hoje que pessoas sejam verdadeiros donos de suas casas nas favelas e que impede vendinhas de rua.
O mesmo estado que policia de forma mais violenta comunidades de maioria negra e que tem um sistema judicial onde pobres inocentes ficam presos sem serem julgados, enquanto ricos criminosos conseguem ficar fora da cadeia protelando a sentença o quanto quiserem.
Muito ajudaria se a gente fizesse valer a letra da lei e se retirasse da legislação praticamente toda e qualquer sanção legal a crimes sem vítimas, as quais punem desproporcionalmente pobres e negros.
O dinossauro institucional brasileiro ferra mais aqueles mais vulneráveis.
De (2):
A gente não teve a segregação racial institucionalizada que houve nos EUA até os anos 50/60, mesmo que a escravidão brasileira tenha sido mais violenta e numerosa.
Movimentos de supremacia branca no BR não tiveram a mesma relevância que os análogos americanos.
Sempre houve um maior sincretismo cultural no Brasil que nos EUA e na Europa, com a cultura "mainstream" brasileira tendo muitos mais traços de matriz africana do que dos outros países. E a gente precisou importar uma consciência racialista americana pra parcialmente apagar isso.
Sim, parece pouco. Mas dificilmente a gente encontra um país que mesmo a trancos e barrancos tem uma convivência tão tranquila entre diferentes grupos étnicos. O Brasil tem muito a melhorar, mas nisso a gente estava/está anos-luz à frente da maior parte do mundo.
De (3) -- o mais complicado de todos:
Disparidade entre grupos não quer dizer que um se aproveitou do outro. Disparidade estatística não implica causalidade. Na verdade, a própria ideia de que algo é uma "disparidade" já pressupõe julgamento de valor.
Parafraseando Thomas Sowell: não há nada que me diga que dois grupos diferentes devem ter distribuições de preferências/resultados iguais. Não é porque temos 50% de negros que 50% dos médicos serão negros. Nem porque temos 5% de asiáticos que só 5% dos médicos serão asiáticos.
A gente entende isso em diversas áreas: você seria maluco se achasse que, porque mais de 1/6 da população mundial é composta por chineses, 1/6 dos melhores jogadores de futebol do mundo deveriam ser chineses ou 1/6 dos recordes de 100 m rasos deveria ser de chineses.
A seleção brasileira de futebol é composta majoritariamente de negros e pardos. Quando foi a última vez que a gente viu um asiático jogando nela?Ou um sírio-libanês? Isso é racismo dos técnicos? Ou há outros fatores que explicam?
Há situações em que racismo explica a disparidade estatística. Provavelmente na violência policial há um componente racial. Assim como no descaso de parte das políticas públicas, na condescendência dos legisladores, e na leniência do judiciário em manter negros inocentes presos.
Mas há outros casos em que o buraco é muito mais embaixo. Proporcionalmente mais crianças negras morrem antes dos 5 anos do que brancas. Isso é racismo? Ou é o estado aprisionando pessoas negras e pobres num sistema de saúde ruim e não lhes provendo saneamento e água tratada?
O debate perde quando a gente foca nas disparidades estatísticas por acreditar que o universo queria que tudo fosse distribuído igualzinho. Focar nelas mais atrapalha do que ajuda e há muita coisa clara e evidente que a gente já pode e deve fazer.
%======%
Seria excelente se a gente realmente tratasse indivíduos como indivíduos e que cor de pele só fosse importante na hora de escolher o protetor solar. Ainda há uma longa caminhada pra isso e a gente precisa continuar avançando dia-a-dia.
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