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Carapanã @carapanarana
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Trumpismo, Nativismo Euro-Americano e Extremismo Islâmico: o que está por trás da polêmica do dia 29/11? Uma rápida olhada na geopolítica que favorece a extrema-direita global, suas estratégias de propaganda e sua relação com Donald Trump.
No dia 29 de Novembro Trump fez três retweets de uma certa @ jaydaBF. Na legenda do primeiro lia-se "Imigrante muçulmano espanca garoto holandês", o 2o "Muçulmano destrói estátua da Virgem Maria" e o 3o "Multidão muçulmana empurra adolescente do telhado e o espanca até a morte".
Donald Trump é acusado com frequência de ampliar a plataforma de grupos de extrema-direita. Na melhor das hipóteses ele é ambíguo, se nega a condenar tais grupos publicamente, ou adota posições contraditórias. Na pior, ele ajuda tais grupos de maneira consciente.
O Trumpismo, como nova filosofia dominante do Republicanismo, trouxe o Nativismo Americano de volta à mesa de ideologias políticas. Soma-se a isso um grande número de propaganda que potencializam o medo da imigração como promotora de uma descaracterização dos EUA.
Essa ideologia nativista não é nova, mas repaginação de discursos políticos antigos, como a maioria dos monstros que emergiram nessa década. Ela é visível na propaganda anti-imigração da década de 1920, a partir da qual organizações como a KKK recrutavam seus membros.
Alguns exemplos podem ser vistos aqui.
O sentimento anti-islâmico foi rapidamente espalhado no complexo Euro-Americano desde 2001. O primeiro fator para isso foi a emergência da AlQaeda e do "Estado Islâmico" (e simpatizantes) como atores cujos atos de terror mudaram a geopolítica global.
Mas também observamos como atores políticos de "direita populista" e "extrema-direita" passaram a divulgar propaganda dessas organizações extremistas como ilustrativos do Islã como um todo, e não de correntes perigosas (especialmente para outros muçulmanos).
Mas como organizações como a AlQaeda, o Taleban o Daesh se tornaram tão poderosas? Podemos resumir três motivos, quase todos associados à Guerra Fria. 1o foi o apoio aos extremistas Sunitas para combater o nacionalismo Pan-Árabe (Baath) e os socialistas no Afeganistão e Indonésia
(No caso dos extremismo Xiita (Hezbollah) a equação é inversa. Começou quando os Aiatolás derrubaram regime dos Pahlavi em 1979, que por sua vez era o resultado de um golpe de Estado de 1925. Foram apoiados pela URSS e ainda são aliados da Rússia e da China.)
2o A quantidade de guerras e insurgências planejadas para derrubar (ou tentar derrubar) autocratas, ditadores ou líderes dos países do Oriente Médio, causando ondas de refugiados, guerras civis prolongadas e uma oportunidade fértil para a emergência de grupos radicais armados.
3o A facilidade de disseminação de propaganda de grupos extremistas na internet, usando de mídias sociais como plataformas para radicalização, recrutamento, comunicação e coleta de recursos. bbc.com/news/world-mid…
A propaganda espalhada principalmente pelo Daesh (ou ISIS ou Estado Islâmico) provocou um manancial de indignação: de os vídeos com execuções brutais até a venda de prisioneiros escravizados (mulheres e crianças) sobretudo Curdos e Yazidis.
theguardian.com/world/2017/jul…
Por que então esses retweets causaram tanto ultraje? Porque eles vêm da líder de uma organização chamada "Britain First". "Mas qual o problema? Britain First e America First não são a mesma coisa?" Talvez, mas não do jeito que vocês imaginam.
"America First" foi o slogan de Charles Lindbergh, aviador, candidato à presidência dos EUA com um histórico de simpatias pelo Nazismo e contra a entrada dos EUA na 2a Guerra.
"Britain First" era o slogan de Oswald Mosley e a União dos Fascistas Britânicos. Mosley era um aristocrata veterano da 1a Guerra. Foi eleito pelo Partido Conservador. Mais tarde se juntou ao Partido Trabalhista perseguindo políticas econômicas de fundo nacionalista.
Mosley era um crítico do Liberalismo Clássico e também do Socialismo Trabalhista. O Governo Trabalhista de 1929 rejeitou sua plataforma, quando então ele saiu do partido e consolidou sua trajetória de conversão ao Fascismo.
Sua plataforma Corporativista, claramente inspirada no Fascismo italiano, foi abraçada por políticos dissidentes do Partido Conservador e do Partido Trabalhista. Ele também foi muito apoiado pelo jornal Daily Mail (de onde vem o recorte abaixo).
Em 1932, Mosley fundou a União dos Fascistas Britânicos, com uma agenda protecionista, anti-comunista, nacionalista e totalitária. O hino da UFB era uma adaptação para o Inglês da " Horst-Wessel-Lied", o hino Partido Nazista. (Também odiavam judeus, como se vê no panfleto).
A derrocada de Mosley começou na Batalha de Cable Street, em 1936, quando cidadãos comuns, imigrantes, judeus, anarquistas e comunistas congregaram 100 mil pessoas para impedir uma marcha de 3 mil membros da UFB.
O Britain First atual foi fundado em 2011 principalmente por membros da BNP (British National Party). Foi fundada por um antigo membro da BNP e então membro do National Front, Paul Goulding, junto com Jim Dowson, um ativista anti-aborto.
Goulding liderou o Britain Frist até 2016, quando a Deputada Jo Cox foi assassinada na rua, em plena campanha do Brexit por um nacionalista que, nas versões mais educadas, foi inspirado pelos ideais do grupo. searchlightmagazine.com/2016/12/more-q…
No mesmo ano, Jayda Fransen, cujos tweets Trump reproduziu, se tornou a líder do Britain First. A agenda do grupo é familiar: contra o "multiculturalismo", a "islamização da Europa" e a favor da preservação de uma "cultura tradicional britânica".
Essa agenda começou a ser disseminada por políticos como o holandês Geertz Wilder, mas se tornou realmente popular a partir da divulgação dos manifestos do terrorista norueguês Anders Breivik, que chacinou 69 membros da Juventude do Partido Trabalhista em 2011.
Membros do BNP, de onde mais tarde surgiria o Britain First, inclusive receberam cópias do manifesto de Breivik antes dos atentados.
telegraph.co.uk/news/worldnews…
O Britain Frist tem uma ala "paramilitar", conhecida por invadir mesquitas e agredir muçulmanos nas ruas da Inglaterra. Sua líder responde a processos por isso e teria pedido a ajuda de Donald Trump várias vezes para evitar a prisão. ibtimes.co.uk/who-are-britai…
O ultraje da comunidade internacional com a divulgação de uma organização extremista pelo presidente dos EUA, e o questionamento da veracidade dos vídeos fez com que a Casa Branca respondesse que "não interessa se os vídeos são reais, a ameaça é real". edition.cnn.com/2017/11/29/pol…
"Mas se os vídeos mostram muçulmanos agredindo pessoas e símbolos religiosos porque todos disseram que são anti-islã?" foi a retórica sustentada por alguns.
Porque divulgar propaganda de extremistas ou vídeos sem contexto é uma estratégia comum para vilanizar muçulmanos como um todo. E tem sido a forma mais eficaz de recrutamento da extrema direita na Europa, via internet e usado de bots ou contas falsas. theguardian.com/media/2017/nov…
Não se trata de negar que existam muçulmanos capazes de cometer atrocidades (basta ver o sofrimento das vítimas do Daesh na Síria e no Iraque, mas lembrar que a maioria delas é muçulmana). Mas em que medida a divulgação desses vídeos ajuda o presidente dos EUA?
Como dito antes o Trumpismo é uma forma modificada do nativismo Americano. Um ideal que afirma que o pertencimento a uma nação não é fruto do cumprimento de suas leis ou respeito à sua Constituição, mas das condições de "raça" ou, eufemisticamente, "cultura".
Trump vai proteger e promover nativistas para avançar a agenda do Trumpismo, mas também para mudar os rumos da conversa. Melhor que todos se indignem com retweets que serão assunto por uma semana, do que discutam os deméritos da reforma tributária dos Republicanos.
Grupos como o Britain Frist foram instrumentais na campanha do referendo do Brexit, liderada por parte do Partido Conservador e pelo partido da UKIP, então capitaneado por Nigel Farage. Farage tem um histórico político, no mínimo, controverso. theguardian.com/politics/2013/…
A campanha do Brexit teve apoio massivo da máquina do Breitbart News, que se vende como uma um veículo de "mídia conservadora", mas desde a morte de seu fundador, Andrew Breitbart, se converteu em uma máquina de propagada da extrema direita mundial.
politico.eu/article/ukip-w…
Bretibart News é um veículo conhecido por endossar teorias da conspiração e promover notícias de conteúdo duvidoso, alterado ou falso. É financiada pelo bilionário Robert Mercer e algumas outras figuras que gravitam em torno do Partido Republicano. usatoday.com/story/news/pol…
Breitbart News, apesar de ter um alcance infimamente menor do que grandes veículos mundiais de mídia, paga salários muito acima da média. O lucro que gera não é compatível com os salários, deixando claro seu caráter de veículo de propaganda. axios.com/breitbart-paid…
Desde a vitória do Brexit a UKIP é um partido em crise, perdendo eleições e dividido por brigas internas. Grupos como o Britain First começaram a ser processados por "patrulhas" onde invadem mesquitas e agridem muçulmanos nas ruas (filmando as respostas como agressões).
O aceno de Trump foi uma forma de energizar essas organizações.
A atitude de Donald Trump foi rejeitada por políticos britânicos de todo espectro. Foi considerada errônea até mesmo por Nigel Farage, que defendeu Trump dizendo que ele não saberia o que é o Britain First mas deveria ter pedido desculpas. theintercept.com/2017/11/30/kin…
Donald Trump então provocou Theresa May, Primeira Ministra do Reino Unido, dizendo "não foque em mim foque no destrutivo Terrorismo Islâmico Radical que está tomando o Reino Unido. Nós estamos bem!".
A resposta causou ainda mais incômodo, pois foi vista como uma provocação. No parlamento e na mídia falava-se em demandar um pedido de desculpas e cancelar a visita de Estado que ele faria à Grã Bretanha. theguardian.com/commentisfree/…
No dia 4/12 um membro do Britain First foi preso depois de fazer saudações nazistas, e tentar matar o dono de um restaurante enquanto berrava "Vou matar um muçulmano e vou fazer isso pelo Reino Unido!" bbc.co.uk/news/uk-englan…
Todo o contexto que mostra os motivos para o ultraje internacional foi ignorado pelos influenciadores conservadores - que continuam a agenda de negar as relações históricas e políticas entre a Nova Direita e o Nacionalismo Étnico da década de 1930
Mas o que continham os vídeos? O 1o vídeo mostrava uma briga entre dois jovens, um deles com uma muleta. A Embaixada da Holanda disse que nenhum dos dois era imigrante, o jovem agressor foi preso em maio de 2017.
O 2o vídeo mostrava propaganda dos extremistas na Guerra da Síria, no qual Sheikh Omar Raghba destrói uma imagem da Virgem Maria na cidade de Yakubiyah, Síria. O site Liveleak, que hospeda o vídeo, afirma erroneamente que a ação teria acontecido na Itália.
O 3o vídeo mostra atos que aconteceram na cidade egípcia de Alexandria, durante o verão de 2013, logo depois do Golpe de Estado que retirou Mohamed Morsi da presidência. O vídeo mostra uma milícia pró-Morsi matando Hamada Badr al-Din, de 19 anos.
Pelo menos um dos responsáveis pela morte de Hamada foram enforcados em 2015. Centenas de outros apoiadores de Morsi seriam sentenciados à morte depois de rápidos julgamentos que a ONU considerou sem precedentes na história recente.
Vídeos como o do assassinato de Hamada em Alexandria foram muito divulgados na mídia egípcia governamental, e usados para descrever pessoas envolvidas em movimentos pro-Morsi como terroristas. washingtonpost.com/news/worldview…
Vídeos e fotos como esses, divulgados sem o devido contexto ou com um legendas e contexto falsos, fazem parte da narrativa da Nova Direita que há pessoas que divulgam "a realidade", documentando a "violência muçulmana" que a "mídia politicamente correta" supostamente esconderia.
Um estudo recente da atividade de grupos de extrema-direita na Europa aponta uso de bots, e uma continuidade de discursos entre Breitbart News e esses grupos. Uso de mídia fora de contexto ou com legendas falsas é a estratégia mais comum. theguardian.com/media/2017/nov…
Veículos como Breitbart News, políticos como Donald Trump e movimentos como Britain First fazem parte uma rede cuja estratégia de propaganda vilaniza muçulmanos e refugiados em geral. A atuação violenta do Daesh e seus simpatizantes na Europa facilita essa agenda.
O objetivo do Estado Islâmico é eliminar a possibilidade de coexistência entre muçulmanos e o Ocidente. Nessa empreitada violenta, o Daesh tem na extrema direita um importante aliado. theintercept.com/2015/11/17/isl…
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