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Thread de apreciação dos perpétuos de Sandman, escrito por Neil Gaiman. Texto tirado do arco Estação das brumas: Um prelúdio.
#Sandman #Perpetuos #NeilGaiman #Theendless #Dream #Death #Destiny #Despair #Delirium #Destruction #Desire
Desejo tem estatura mediana. É improvável que algum dia se produza um retrato que lhe faça justiça, porque vê-la (ou vê-lo) é amá-la (ou amá-lo) de forma apaixonada e dolorosa, acima de todas as coisas.
Desejo exala um perfume quase subliminar de pêssegos maduros e projeta duas sombras: uma negra, de contornos nítidos, e a outra translúcida e indistinta como a névoa sobre o asfalto fervente.
Desejo sorri em lampejos breves, como a luz do sol resplandecendo no gume de um faca.
E há muito mais do gume de um faca em Desejo.
Jamais a(o) possuída(o), sempre o possuidor(a), com a pele pálida como fumaça e olhos fulvos e aguados como vinho amarelo. Desejo é tudo que você sempre quis. Seja você quem for. O que for.
Tudo.
Desespero, irmã gêmea de Desejo, é rainha de seus próprios domínios lúgubres. Diz-se que neles há uma infinidade de janelas minúsculas pendendo no vazio. Cada uma revela uma cena diferente e, em nosso mundo, manifestam-se como espelhos.
Algumas vezes, você olhará para um espelho e perceberá os olhos de Desespero sobre você. E sentirá seu coração sendo fisgado por seu anzol certeiro.
Sua pele é fria e viscosa. Seus olhos têm a cor do céu nos dias cinzentos e úmidos que privam o mundo de cor e sentido.
Sua voz é pouco mais que um sussurro. E, embora ela não possua odor algum, o cheiro de sua sombra é almiscarado e pungente como a pele de uma cobra.
Há muitos anos uma seita fundada onde hoje é o Afeganistão proclamou Desespero como uma deusa e determinou todos os cômodos vazios como seu lugar sagrado. Tal seita, cujos membors se denominavam "Os Não Perdoados", persistiu por dois anos, até que seu último seguidor suicidou.
Ele sobreviveu quase sete meses mais que os outros membros.
Desespero fala pouco e é paciente.
Destino é o mais velho dos Perpétuos. No Princípio era o Verbo, e este foi traçado à mão na primeira página de seu livro ante mesmo de ser pronunciado.
Destino é também o mais alto dos Perpétuos, aos olhos mortais.
Alguns crêem que Destino seja cego, enquanto outros, talvez com mais sabedoria, afirmam que ele viajou além da cegueira e, na realidade, é incapaz de fazer outra coisa a não ser enxergar;
Que ele enxerga os finos traçados desenhados pelas galáxias enquanto espiralam-se pelo vácuo, que observa os intricados padrões construídos pelos seres vivos durante sua jornada através do tempo.
Destino recende a poeira e bibliotecas à noite.
Não deixa pegadas.
Não possui sombras.
Delírio é a mais jovem dos Perpétuos.
Ela cheira a suor, vinho azedo, finais de noite e couro gasto.
Seu reino é próximo e pode ser visitado.
Contudo, as mentes humanas não foram feitas para compreender seu domínio, os poucos que fizeram essa viagem foram incapazes de relatar mais que insignificantes fragmentos.
Sua aparência é a mais variável de todos os Perpétuos, que são no máximo ideias envoltas de um simulacro de carne. Sua sombra, tangível como veludo gasto, possui forma e contornos que não tem relação alguma com os corpos que utiliza.
Alguns dizem que a tragédia de Delírio é saber que, embora mais velha que todos os sóis e todos os deuses, será eternamente a mais jovem dos Perpétuos, que não calculam o tempo da mesma forma que nós nem enxergam o mundo com os olhos mortais.
Outros negam tal fato e afirmam que não há nada de trágico em Delírio, mas esses falam sem refletir. Porque Delírio, um dia, foi Deleite. E embora isso tenha sido há muito tempo, ainda hoje seus olhos não combinam:
Um é verde-esmeralda, vívido, salpicado por inquietas manchas prateadas; o outro é azul como uma veia.
Quem sabe o que Delírio enxerga com seus olhos desiguais?
Sonho dos perpétuos, este é um enigma.
Neste aspecto (e dos Perpétuos percebemos não mais que aspectos, como enxergamos o cintilar da luz numa faceta minúscula de uma pedra preciosa imensa e lapidada de forma impecável), ele é magérrimo e sua pele tem a mesma cor da neve que cai.
Sonho acumula nomes para si da mesma forma que outros fazem amigos, mas são poucos os que ele considera amigos.
Se há alguém de quem é mais próximo, é de sua irmã mais velha, que vê apenas raramente.
Há muito tempo, escutou num sonho que a cada século Morte assume um corpo mortal por um dia, para compreender melhor as vidas que ceifa para provar o sabor amargo da mortalidade: é o preço por ser a divisora que separa os vivos de tudo o que lhes antecedeu e tudo que virá depois
Sonho pensa muito nessa história, mas nunca perguntou a verdade a sua irmã. Talvez tema receber uma resposta.
De todos os Perpétuos, com exceção de Destino, talvez, é o mais consciente de suas responsabilidades e o mais meticuloso em sua execução
Sonho projeta uma sombra humana quando isso lhe convém.
E há Morte.
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