Thread by @lucasmafaldo

Como eu já disse por aqui, embora eu escreva tanta em público, eu nunca tinha pretensão alguma de ser um escritor.

Primeiramente, porque sempre vi escrever com um ato, uma atividade (e não um estado, uma identidade social, ou ainda profissão).

Porém, se a identidade não me interessava, o ato passou a ocupa uma parte cada vez maior da minha vida -- e eu gostaria mesmo de ter mais tempo para fazê-lo com mais frequência.

Escrever é uma oportunidade rara de concentrar a atenção: na medida em que você fica procurando...

... as palavras adequadas, você possui a oportunidade de observar o tom, o ritmo e a estrutura lógica do seu próprio discurso, ganhando mais clareza sobre o objetivo que você procura descrever.

Há, nesse sentido, algo parecido com uma oração ou mesmo uma confissão.

Em todos esses atos há também o esforço em dizer algo -- como em uma conversa. Mas, ao contrário de uma conversa normal, não paramos apenas no primeiro sinal de aprovação do outro. Precisamos ir além e olhar com mais atenção e sinceridade para o objeto.

Conversar, é claro, tem uma importância enorme -- eu diria que há poucas coisas mais importantes para a felicidade humana do que boas conversas.

Mas há um risco na conversa. Os lugares-comuns podem suscitar uma falsa concordância. A comunicação é substituída pela sua aparência.

É claro que escrever tem suas armadilhas também. É fácil aprender a tocar nos chavões da tribo e nos sentimentos do dia para gerar a mesma concordância superficial das conversas bobas. Mas, quem supera isso, ganha um momento especial de clareza.

Em certo sentido, não ter muito público -- ou ter, mas não se preocupar demais em agradá-lo -- é fundamental para o escritor. Toda tentativa de agrado pode perturbar o esforço de atenção e sinceridade -- que é a base da escrita e da filosofia.

Nunca quis ser escritor, dizia eu, mas o ato de escrever é tão... intrinsecamente agradável que é difícil parar. Eu acho até que tem um efeito terapêutico inegável: sua mente se concentra, sua personalidade se alinha melhor com a realidade e algumas tensões se dissolvem.

O problema de gostar do ato e não da identidade, no entanto, é que eu virei esse escritor de fragmentos. A vida, afinal, é feita de fragmentos. Não vejo como eu posso juntar todos esses instantes em uma única obra.

Lembro que esse era um dos meus problemas para terminar a tese -- algo muito menos sério, em certo sentido, já que é um escrito "comitezado" -- pois eu queria re-escrever tudo desde o início repetidas vezes.

(E o fiz, de fato, sempre procurando uma unidade elusiva, até que...

... fui forçado a parar de re-escrever pelas praticidades da vida).

Mas, enfim, falo nisso porque agora que estou liberto de obrigações acadêmicas, e mesmo de qualquer pretensão de participar da vida literária nacional, eu sinto que deveria procurar uma ordem nesses fragmentos.

Parece que deixar esses "momentos" de atenção em público é algo meritório. Sempre há gente que se diz tocada por eles. Convenceram-me que não posso deixar todas essas intuições perdidas nas redes sociais.

Mas, ao mesmo tempo, preciso de um meio que aceite melhor o meu jeito fragmentário de anotar minhas reflexões. Acho que minha natureza é mais apropriada para os folhetins. Talvez eu voltar para a época das newsletters ou blogs.

(Ficou faltando o "talvez eu DEVESSE" ali em cima.)