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Eu não tenho comentado muito sobre política brasileira porque considero a esperança uma virtude e, nesse campo em particular, não sei exatamente de onde ela pode ver. Ainda assim, preciso comentar algo porque acho que há pontos que precisam ser ressaltado.
Como eu falava há alguns anos, a tal "nova direita" não tem unidade alguma. A oposição ao PT não pode ser nem mesmo considerada estritamente uma direita, já que envolvia vários grupos que se identificavam mais com a esquerda. Sem o PT, a oposição perdeu seu foco organizador.
Bolsonaro está tentando criar uma nova síntese em torno de reformas liberais na previdência, o pacote de Moro, retomada na economia, base evangélica, apoio militar, discurso anti-comunista e nacionalismo.

É um jogo difícil. Nem a base concorda com o pacote todo. Faz parte.
Enquanto faz esse malabarismo no campo ideológico, Bolsonaro precisa lidar com as instituições brasileiras -- outro campo minado. Os problemas estruturais são bem conhecidos: o congresso é super-fragmentado, os partidos possuem donos e tudo é negociado.
Isso que muita gente convencionou chamar de "velha política" é consequência da própria estrutura do estado brasileiro. Ao meu ver, só foram elaboradas duas respostas a isso nos últimos anos: plebiscitos (a posição de Ciro Gomes) ou negociação (FHC).
(A opção lulista, o mensalão, seria uma terceira via, mas ilegal, portanto estou tirando da lista).

Por isso, todo governante enfrenta esse dilema: ou negocia com um congresso péssimo ou tenta atropelar todo mundo criando uma democracia plebiscitária.
Obviamente, há bons motivos para temer o caminho plebiscitário. O mundo se distanciou da democracia direta porque há várias vantagens em um sistema republicano: em vez da pura vontade popular, somos governados por várias camadas institucionais que filtram e dosam essa vontade.
Dito isso, o sistema republicano brasileiro é especialmente ruim, como se vê pelo fato de que dois ex-presidentes estão presos, sem falar nos líderes do parlamento, como Cunha. Logo, entendo quem tem vontade de mudar o próprio sistema -- seja por reformas ou por jacobismo.
O problema dos reformistas e jacobnistas é que o sistema é muito, muito bom em se proteger. A elite brasileira é ruim em administração estatal, mas muito boa em sobreviver. Eles sempre conseguem tirar a energia de qualquer proposta de reforma constitucional realmente inovadora.
O que ficou faltando nessa análise são os elementos dinâmicos: a Lava-Jato e o crescente papel do STF.

A Lava-Jato foi o único evento que realmente feriu a elite. E ela não nasceu da classe política, mas do elemento tecnocrático do estado brasileiro, antes simbolizado por Moro.
Porém, na medida em que a Lava-Jato dinamitava o establishment, o foco de poder passou a se concentrar ainda mais no STF. Em vez de se tornar o distante intérprete da constituição, o STF virou o árbitro dos acontecimentos diários, enfiando a cara na mais pequena das políticas.
Esse papel, obviamente, enfraquece enormemente a estabilidade do sistema republicano. É o equivalente a gritar "o Rei está nu". Quanto mais o STF aparece, mais a população se convence que a base do estado é de papelão.
Dito isso, fica o problema -- e a minha falta de esperança. Qual seria o próximo passo? Como reformar o sistema sem quebrá-lo? Creio que o problema é justamente que não há nenhum caminho consensual.
Todo mundo está tateando o mesmo problema, mas propondo caminhos diferentes (como impichar ministros do STF), nenhum dos quais reuniu ainda força política suficiente para se tornar uma grande bandeira.

E muita gente, claro, quer apenas tentar fazer o sistema atual funcionar.
Nesse grupo, aliás, eu colocaria o próprio presidente Bolsonaro. Ao contrário do que dizem seus críticos, ele me parece um grande legalista. Todas as suas ações indicam um desejo incansável de buscar o consenso. Embora seu discurso seja duro, ele está sempre costurando pontes.
E é por isso que eu não sei para onde o Brasil irá caminhar. Minha interpretação é que Bolsonaro está desesperadamente tentando manter uma coligação extremamente fragmentada unida para conseguir aprovar propostas dentro de um sistema extremamente desagregador. É um desafio duplo.
Na minha modesta perspectiva, seria bom ter algum plano de longo prazo de reformas institucionais -- voto distrital, candidaturas sem partidos, ou até criar novos partidos mais representativos. Mas eu entendo que isso é impossível no momento. Sem falar que tudo pode parar no STF.
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