Thread by @lftofoli

Está em andamento na @AssembleiaSP um projeto de um deputado do PSL que prevê que todo estudante das universidades públicas paulistas (USP, UNESP, UNICAMP) teria que fazer teste para detectar uso de drogas; se positivo, a matrícula seria negada. Vamos ler um fio?
#FEBEDROGAPÁ

Eu sugiro primeiro examinarmos a evidência científica sobre a efetividade deste tipo de medida e depois discutirmos um pouco quais são as suas implicações.

Mas antes, precisamos fazer a distinção entre USO e USO PROBLEMÁTICO de drogas. No primeiro caso estão as pessoas que simplesmente são usuárias de drogas ilícitas. No segundo, as pessoas que apresentam problemas com drogas (abuso, dependência, adicção, pode escolher o nome).

Um problema sério com qualquer estratégia desse tipo é que os testes não fazem distinção entre que tem ou não problemas com drogas, colocando todo mundo no mesmo saco. Essa não é uma decisão médica, é uma opção ideológica.

A menos que, é claro, tivéssemos certeza de que ao fazer esse tipo de testagem, os estudantes reduziriam o consumo de drogas. Será que isso acontece? Examinemos então os estudos científicos.

Aí já começa o problema: não localizei, desde 1994, qualquer estudo científico sério que tratasse de testagem de drogas com universitários (se alguém achar, comenta aí). Praticamente a literatura foca em estudantes do fim do fundamental e do ensino médio.

Existe uma exceção: estudos com atletas, ou seja, testes anti-doping de atletas universitários, o que é bem diferente de testar simplesmente TODOS os estudantes universitários das universidades públicas paulistas. Mas então, o que dizem os dados sobre estudantes do ensino médio?

Em 2009, o Journal of School Health dizia, com dados dos EUA: "Testar drogas não está associado a uso de drogas ilícitas por estudantes". Isso quer dizer que uma escola fazer testagem não significava que nela havia menor consumo de drogas. onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.111…

No mesmo ano, o @ijdrugpolicy publicou um estudo australiano que teve o seguinte resultado: "A evidência examinada não indica nenhum caso convincente para a testagem de drogas [em estudantes]"
sciencedirect.com/science/articl…

Aí em 2012 respeitada revista @AddictionJrnl publica um artigo sobre testagem aleatória que tem como um dos autores um cara que tem uma empresa que simplesmente *vende* kits de testagem de drogas. O cidadão tem inclusive que declarar esse conflito de interesse na publicação.

Aí você já imagina: "Putz, ele vai dizer que funciona". Mas não. Tudo o que ele pode dizer é que as evidências para apoiar ou refutar seu método são 'limitadas'. Tradução? O cara não pôde concluir que seu método de testagem aleatória funcionava. onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.11…

Em 2015, a revista Pediatrics, órgão da @AmerAcadPeds, examina a questão e chega à seguinte conclusão: "Dado o efeito modesto (e de curto prazo) na redução do uso de substâncias, alto custo e potencial significativo de resultados adversos..." (cont)

(/cont) "...a Associação Americana de Pediatria conclui que as evidências de pesquisa não apoiam o início ou a expansão de programas de exames toxicológicos em escolas, neste momento." pediatrics.aappublications.org/content/135/4/…

Bem, agora que já sabemos que os efeitos são, no máximo, fraquinhos, vamos examinar aqui algumas questões que vão além do resultado de estudos epidemiológicos e de intervenção? Sugiro para isso a leitura de um material muito bom editado em 2006 pela @DrugPolicyOrg.

Embora não seja novo, as evidências científicas ainda vão na mesma direção, e as questões éticas são as mesmas. Vou então citar todos os pontos que o documento "Making Sense of Student Drug Testing" apresenta:
drugpolicy.org/resource/makin…

"1. A testagem de drogas não é eficaz para dissuadir o uso de drogas entre os jovens;
2. A testagem é cara [imagine testar TODOS estudantes da USP, UNICAMP e UNESP!], tirando recursos escassos de outros programas mais eficazes que mantêm os jovens longe de problemas com drogas;"

"3. A testagem de drogas pode afastar os estudantes das atividades extracurriculares, que são um meio comprovado de ajudar os alunos a evitar problemas com drogas;
4. A testagem de drogas pode minar a confiança entre alunos e professores e entre pais e filhos;"

"5. A testagem de drogas em estudantes pode minar a confiança entre alunos e professores e entre pais e filhos;
6. A testagem de drogas não identifica efetivamente os alunos que têm sérios problemas com drogas; e..."

"7. A testagem de drogas em estudantes pode levar a consequências não intencionais, como estudantes usando outras drogas (como o álcool) que são mais perigosas, mas menos detectáveis por um teste de drogas.

Precisa dizer mais alguma coisa? Claro que nada o que eu disse aqui vai lhe tocar se você acha que todo conhecimento que vem da universidade é enviesado por ela ser um antro de drogados, como sugere o iluminado guru anal do clã Bolsonaro.

Mas se você é uma das pessoas que acredita que política pública se faz com ética, experiência e evidência, espero ter convencido a você (torcendo para os deputados da @AssembleiaSP pensarem assim também) que esse projeto é uma baboseira para ganhar visibilidade. Fim do fio.

Na hora da corto-colagem eu errei, pessoal. O item correto de número 5 é:
"5. A testagem de drogas pode resultar em falsos positivos, levando à punição de estudantes inocentes;"