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Já não me lembro quem disse isso aqui no Twitter, mas ficou na minha cabeça: boa parte das novas modas em cuidados de saúde realmente são um retorno a técnicas bem antigas -- banho frio, jejum e até sangrias (não exatamente, mas o Tim Ferriss fala nos benefícios de doar sangue).
Parte disso, paradoxalmente, é efeito do sucesso da medicina moderna: conseguimos respostas tão efetivas para problemas imediatos (cirurgias, antibióticos, etc.) que agora podemos nos concentrar em problemas de mais longo prazo (qualidade de vida, longevidade, doenças crônicas).
Mas, quando chegamos nesses outros tipos de problemas, precisamos de outro modelo. Embora eu não seja, de modo algum, adepto do pensamento mágico meio "new age" de muita gente, reconheço que há uma dose de verdade na busca por novos tipos de respostas.
O problema do modelo atual de tratamento é que ele é uma mistura de mecanicismo e consumismo: o paciente espera pagar por uma pílula que resolva um problema específico. Há uma troca de dinheiro por produto -- uma transação simples, como tantas outras que fazemos diariamente.
Mas nem tudo cabe nesse modelo. O problema pode ser sistêmico: a dor no joelho é causada por um modo errado de andar; a qual, por sua vez, é causada por uma postura errada; a qual é um efeito do estilo de vida.

Resultado: a pílula pode aliviar a dor, mas não o jeito de viver.
Para lidar com problemas sistêmicos, é preciso serviços mais complexos, que exigem uma relação diferente das duas partes: o próprio paciente precisa ser mais ativo e assumir agência pelo processo; o prestador de serviço precisa também ter uma visão global e de longo prazo.
É preciso, portanto, uma relação terapêutico, onde ambos os lados procuram identificar padrões de comportamento e transformá-los. O "custo humano" do tratamento é, portanto, bem maior. É mais difícil ter "compliance" (adesão, continuidade).
Precisamos ter paciência com essa dificuldade de mudar o estilo de vida. Mudar comportamento é muito "caro" em termos cognitivos. Assim que acordamos, nós fazemos mil pequenos atos automaticamente: o modo como escovamos os dentes, tomamos banho, cozinhamos, etc.
Nós erramos em olhar apenas para o tempo das atividades. Se antes eu preparava uma receita em 40 minutos e agora eu a preparo em 20 min, alguém talvez suponha que minha produtividade dobrou. Nada disso: é preciso ver também quanta energia mental eu gastei no processo.
Nas primeiras tentativas, os 40 minutos requeriam intensa atenção: re-lendo a receita, olhando com atenção a aparência da comida para ver sinais de que está no ponto certo, tentando descobrir como fazer certos cortes, decidindo quanto tempero colocar, etc.
Ou seja, são 40 min de muito trabalho. Os 20 min anos depois já ocorrem quase no automático: sua mente pode ir re-elaborar os acontecimentos do dia, conversar sobre amenidades, etc. Ao final da refeição, você tem, não apenas 20 minutos a mais, mas muito mais gás.
Por isso mesmo, é muito difícil esperar que as pessoas mudem seu estilo de vida da hora para outra. Nossa quantidade de energia por dia é MUITO limitada. Nós conseguimos manter um alto nível de produtividade depois dos 30 e 40 anos por termos passado as décadas anteriores...
... acumulando uma forma intangível de capital: modelos mentais, habilidades, heurísticas sociais, etc. Mudar de hábito significa trazer nossa atenção para esse antigo capital -- que nos serviu tão bem -- e TRANSFORMÁ-LO. O investimento psicológico é considerável.
Diante desse investimento, é natural que as pessoas revertam para hábitos antigos e duvidem da efetividade do tratamento. E, no entanto, muitas vezes esses hábitos estão na raiz de vários problemas sistemáticos. Por isso, é uma dificuldade que precisa ser enfrentada.
A ideia de auto-experimentação (do Tim Ferriss, Mark Sisson) é o ideal, mas é, infelizmente, um ideal para poucos. Ela requer muitos recursos -- tanto financeiros, como sociais e intelectuais -- para ser usada universalmente.
Por isso, e voltando ao ponto inicial, embora eu obviamente não entro na onda de quem quer jogar a ciência moderna no lixo, acho que é inteiramente recomendável procurar ter uma atitude de mais curiosidade e responsabilidade diante dessas coisas.
"Responsabilidade" porque precisamos recuperar nossa agência nos processos de tratamento e "curiosidade" porque os modelos explicativos atuais não são os únicos. Talvez algo que pareça maluquice tenha uma lógica que as autoridades do momento ainda não compreendem.
O grande problema, para terminar com uma nota de cautela, é que quem procura tratamentos alternativos tende justamente a estar mais fragilizado, podendo se tornar presa de picaretas. Mas aí é um risco constante da vida humana e a única solução é se fortalecer e tomar cuidado.
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