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Ontem, doze de abril, os grupos de aplicativos de mensagens e as redes sociais do povo ayahuasqueiro entrou em polvorosa. Segue o longo fio aí para sabermos o que foi que aconteceu e refletirmos um pouco juntos.
Correu em alta velocidade pela "rádio cipó" a notícia de que Bolsonaro havia extinto o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, o CONAD, e com ele as resoluções que são a única peça legal que torna o consumo ritual e religioso do chá uma atividade regulamentada.
Isso não é pouca coisa. Segundo os dados vazados do III Levantamento de Uso de Drogas no Brasil, barrado por uma teima que o Ministério da Justiça resolveu encampar com a Fiocruz, 0,4% da população brasileira de 12 a 65 anos declarou já ter bebido o chá.

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Esse número é pouco, quando comparado com a população nacional, mas a isso correspondem cerca de 567 mil almas. O estudo indica que na mesma faixa etária, 181 mil beberam ayahuasca no último ano, e 118 mil no último mês. Os dados são de 2015, então devem ser ainda maiores.
Ainda assim, embora este dado não esteja disponível no relatório preliminar que vazou, sabemos que se trata de esse grupo tem escolaridade e renda mais alta que a média brasileira, e em alguns contextos e grupos, têm uma considerável influência política.
E, claro, como nem os ayahuasqueiros poderiam escapar disso, os bebedores do chá se dividiram, no final de 2018, entre os #elesim e os #elenão. Muitas brigas aconteceram e não foram poucos o que abandonaram um ou outro grupo por discordâncias políticas.
No final de setembro de 2018 fiz uma postagem em que perguntava aos ayahuasqueirxs se fazia sentido que votassem em alguém que despreza as nações indígenas, apresenta inúmeros preconceitos e vê as florestas brasileiras apenas como fonte de recursos a serem explorados.
Apesar de ter recebido bastante apoio, também apanhei muito, e descobri, não sem alguma surpresa, que muitas pessoas viam com muita naturalidade não haver contradição entre votar em Bolsonaro e ser um fiel bebedor da poção misteriosa.

facebook.com/15921784760533…
Outros me acusaram de estar querendo misturar duas coisas que não têm nada a ver entre si: religião e política. No Brasil, depois de ter prevalecido a chapa presidencial que tinha como lema 'Deus acima de todos', acho que já está claro que RELIGIÃO É POLÍTICA.
Porém o mundo dá suas voltas, e cá estamos aqui, de novo, falando de ayahuasca e política. Ainda está tudo muito incerto, mas as fontes jurídicas que eu consultei me garantiram que não há necessidade de tanto desespero por parte dos grupos ayahuasqueiros.
Primeiro, porque não há certeza de que o CONAD seja extinto; segundo, porque caso tenha sido, há claro sinais de que teria que ser recriado; terceiro, porque mesmo que ele cessasse de existir, suas resoluções anteriores continuariam válidas.

justica.gov.br/sua-protecao/p…
A principal razão é o fato de que um decreto não pode dissolver conselhos criados por força de lei. De fato, o CONAD foi criado por um decreto (5.912/2006) e seu regimento interno data de uma portaria do Ministério da Justiça de 2014.

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Entretanto, o CONAD é referenciado explicitamente como tendo um papel no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, SISNAD na lei de drogas, a 11.343/2006.

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Caso tenha sido extinto, o que ainda não é claro, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas teria que ser ressuscitado (se me perdoam a metáfora) para atender o que determina a lei 11.343/2006.
Ainda assim, amigos ayahuasqueiros, fiquem tranquilos, que a resolução continua a valer. Mesmo que não, ainda há uma área cinzenta já que a Convenção sobre Narcóticos de Viena, da qual o Brasil é signatário, dá margem a manter dentro da lei o uso ritual de plantas psicotrópicas.
Bem, passado, aparentemente, o susto, gostaria ainda de falar de duas coisas. A primeira é a constatação da fragilidade da resolução que sustenta a legalidade da ayahuasca no Brasil. Não é lei, nem decreto, nem sequer uma portaria ministerial.
O que regulamenta o uso religioso da ayahuasca no Brasil é uma mera resolução de um Conselho que pode ser, se não tiver sido extinto, recriado de forma extremamente enviesada e conservadora.
Acho também importante que os ayahuasqueiros não se fiem em prestígio derivado de governos anteriores ou no eventual apoio ao governo Bolsonaro. Um caso recente que foi noticiado pelo Correio Braziliense diz muito disso.

blogs.correiobraziliense.com.br/denise/chamado…
Denise Rothenburg dá conta de que o nome de um senador do PSDB do DF, Izalci Lucas, foi rejeitado como ministro da Educação por pressão da bancada evangélica, por seu suplente é membro da União do Vegetal, cujos membros são chamados de 'maconheiros' por políticos evangélicos.
Quem conhece a UDV sabe a sua posição contrária à maconha, que é sagrada por outros grupos ayahuasqueiros. Mas nem esse fato e nem a sua considerável inserção no mundo brasiliense são suficientes para blindar a entidade do preconceito associado às substâncias psicoativas.
Não sejamos inocentes, portanto. Em um governo com tendências terrivelmente enviesadas para a extrema-direita, ninguém pode dizer que seus direitos estão garantidos, muito menos os adeptos de um chá com propriedades enteógenas.
O segundo ponto é: EU AVISEI. Perdoem por isso, mas acho necessário relembrar a todos as contradições contidas em ayahuasqueiros votando em um homem como Jair Bolsonaro. Podem se preparar, esses 100 dias de governo foram uma boa amostra de que havia alguma razão nos meus temores.
Chegou a hora de superar os traumas e divisões causados pelas eleições. É necessário que os grupos ayahuasqueiros, tão dissidentes entre si, comecem a conversar e se articular para estabelecer estratégias que garantam de forma mais perene o uso ritual da ayahuasca.
Não importa se você é caianinho, daimista, neo-xamânico, ayahuasqueiro independente ou indígena. É preciso estar unido e forte, porque os riscos, diante de um governo fundamentalista e desnorteado, não são pequenos.
A arte da “capa” deste thread é da @clancycy.
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