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Com o pai assassinado, meu pai se viu obrigado a trabalhar já aos 14 anos de idade. Se bem lembro, carregando caixas de tomate na feira de uma cidade de um interior nordestino.
Mas a carreira foi bem sucedida de tal forma que, naquele 1991, já era gerente regional de uma multinacional.
Como ainda tinha alguns dias de férias, continuamos na praia mesmo após o término do carnaval. Eu tinha nove anos de idade, por isso as lembranças são poucas.
Como tédio que tomou conta da casa com os primos que voltaram pra cidade. Que era interrompido apenas pelos telefonemas estressantes que meu pai recebia.
Curiosamente, lembro também de um ambulante vendendo o produto que a multinacional produzia. E meu pai perguntando o preço para confirmar que havia, sim, algum problema a ser resolvido.
Mais alguns telefonemas e as férias foram abreviadas. Lembro de meu pai ficar “ausente” desde então. Praticamente só o via quando me deixava na escola às 7h da manhã. Quando voltava pra casa, eu já dormia.
Lembro também de uma entrevista que concedeu a uma emissora local para desmentir o boato de que a empresa escondia produtos para forçar um aumento de preços.
O estresse durou meses. Até que, no final de setembro, sofreu uma sequência de AVCs que o mataria nos primeiros dias de outubro.
Eu era criança. Não compreendia bem. Mas assumi que meu pai havia sido uma vítima das lambanças do governo Collor.
Décadas depois, lendo o Saga de Brasileira, de Miriam Leitão, confirmei que outros brasileiros também perderam entes queridos naquela época. E também culpavam o governo Collor.
Corri para o calendário. As datas batiam. Todo mundo sabia que daria errado. Mesmo assim o governo Collor congelou preços, causando escassez de produtos, e a inflação dos poucos que restavam no mercado informal.
O plano Collor II foi lançado semanas antes do último carnaval que passei com meu pai.
Para o país, aquelas mortes poderiam ser estatisticamente desprezíveis. Lá em casa, foi a pior notícia que todos nós recebemos em nossas vidas. Nunca mais nos recuperamos totalmente dela.
Principalmente por isso, entendo que a prudência há de ser o principal valor de qualquer governo. E por isso não tolero que medidas governamentais ignorem efeitos colaterais, ainda que estatisticamente o mal seja irrelevante.
E fico me perguntando hoje quantas famílias não estão vivendo drama semelhante. Seja por falta de atendimento no Mais Médico, seja pela truculência policial tão alimentada por inconsequentes, seja pelo desemprego, seja pela guerra alimentada em ambiente acadêmico...
...seja pela não renovação de radares que comprovadamente reduziam o perigo de certas estradas, seja pela humilhação pública decorrente de tantos ataques à reputação, ou por algum motivo que não me ocorra agora.
Precisamos do Estado para mediar os conflitos da sociedade. Mas não podemos jamais esquecer que o Estado é uma substância instável. Que, sem o devido cuidado, pode explodir e causar tragédias como as piores tragédias da história da humanidade.
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