Thread by @louverture1984

Olhando a polêmica do nazista homenageado pelo Exército, vejo muita gente boa replicando o argumento "nem todo mundo que lutou no Exército era nazista".

Bem, pra mim a origem da cagada tá aí. Afinal, quem era nazista na Alemanha, entre os anos de 1939 a 1945?

A resposta talvez choque vocês (e vai ter gente falando da minha insensibilidade histórica nessa), mas...todo mundo. A ditadura hitlerista criou mecanismos para que toda a população se auto-declarasse nazista e qualquer objeção era passível de crime.

Mas não havia dissidência na Alemanha nazista? Sim. Na sociedade civil alemã sempre houve algum grau de oposição tolerada pelo Estado. Essa matéria do The Atlantic é ótima para pensar isso: theatlantic.com/magazine/archi…

O problema, contudo, é que o regime impunha que quanto mais altos os postos ocupados na burocracia estatal e nas forças armadas, maior o comprometimento com o partido. Poderia ser um comprometimento de fachada, claro.

Não dá para esquecer que o alto escalão nazista, vendo que a guerra se encaminhava para uma tragédia para o povo alemão, armou um plano para assassinar Hitler - inclusive envolvendo um dos maiores generais alemães, Erwin Rommel.

Ainda assim, todos juravam fidelidade ao partido e obediência ao "Fuhrer". E, como parte de um mecanismo, apoiavam em especial aqueles que tinham vínculos com o partido.

Em Berlim, no museu "Topografia do terror", havia um stand que falava que a população civil aderiu ao nazismo. A dissidência custava um preço altíssimo. A passividade e a busca por sobrevivência faziam com que muitos civis aderissem ao regime sem outra alternativa em vista.

Todavia, conforme subimos nas hierarquias estatais (e, convém dizer, mesmo na hierarquia de classes dessa sociedade), começamos a ver que eram sujeitos que foram se tornando cada vez mais ativos... colaboraram com o regime e instituíram e executaram suas regras.

Há os casos, no final da guerra, de jovens sendo convocados para a guerra, ou idosos e pais de família, para lidar com o cerco em Berlim. Estamos, todavia, falando das hierarquias mais baixas do Exército, passíveis de fuzilamento sumário caso se recusassem ao serviço militar.

Esse é um debate importante a ser feito em regimes ditatoriais que é o grau de responsabilização de quem vive nesses regimes. Que a população civil, por conta da constante de repressão, se submeta aos mandos dos ditadores, é compreensível (ainda que haja resistência sempre).

Mas os militares? Bastaria lembrar, pegando o caso do Brasil, que muitos militares se recusaram a servir ao Exército diante de governos que consideravam ser ditatoriais e que não serviam ao povo. Resistência ativa e passiva que é heróica. Mas que fora dela, só há consentimento.

Em suma: a questão de quem era nazista ou não nos faz pensar justamente sobre como nossas opções políticas são também responsabilidades nossas, mesmo em regimes ditatoriais que procuram limitar ao máximo essas opções.

Não se trata, contudo, de responsabilidade individual, mas estrutural. E quanto mais você está dentro das estruturas, mais próximo das entranhas do poder você está e, logo, mais você se beneficia com a ausência de dissentimento.

(BTW: o major era nazista, sim)

Outra boa leitura sobre o tema: dw.com/pt-br/a-opera%…