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Assistimos ontem o filme "Democracia em Vertigem" aqui em casa. É um bom filme, embora eu não seja crítico de cinema. Esteticamente falando, ele tem qualidade, imagens impressionantes, muitas delas inéditas...
Mas fiquei incomodado com o filme. E talvez o que mais me incomodou seja eu mesmo: a narradora, que é a própria diretora do filme, Petra Costa, nasceu um ano depois de mim. Faz parte dessa geração que com 30 anos nasceu praticamente junto com a democracia.
Fomos a primeira geração na história do Brasil a viver mais de 25 anos sob um regime democrático. E calhou que foi algo do momento que nascemos até o fatídico impeachment de Dilma.
Há diferenças, claro. Petra Costa é mulher, vem de uma família de elite (elite econômica em parte, pela ligação com a construtora Andrade Gutierrez, mas também elite política, capaz de adentrar em vários espaços por conta, talvez, da militância dos pais).
Nessas diferenças a gente começa a ver alguns furos. Em termos geracionais, eu sou Petra Costa. Mas em termos de origem, viemos de lugares diferentes. Esse lugar diferente gera narrativas diferentes sobre a democracia em vertigem...
As falas dos populares aparecem sem mediação, mas antes de expor a fratura democrática, talvez fosse bom lembrar que a democracia não caminhava tão sólida. Rafael Braga, Amarildo, Cláudia, para ficarmos nos casos mais chocantes, são provas do limite de nossa democracia...
...um limite talvez da sua própria origem, uma narrativa que gostamos de retomar porque talvez nos dê a certeza de que "sempre foi assim". Uma das faxineiras fala que isso é da política mesmo...um sentimento de resignação paralisante, mas ao mesmo tempo, a descrença estampada.
Descrença na democracia que o documentário de Petra atesta estar morrendo. Descrença nos atores políticos que estavam tentando constituir essa democracia... Um dos discursos dominantes mais poderosos no Brasil é que "político é tudo igual".
Mas pouco se fala que isso gera uma consequência, que é justamente uma desconfiança das classes populares com a representação política. É sintomático, por exemplo, que tantos populares tenham votado em Bolsonaro...não foi um voto apenas da elite, convém dizer.
Bolsonaro era o mais diferente diante de muitas opções iguais. Esse sentimento de que "todos são iguais" e é tudo "politicagem" gera uma força política ampla, a mesma força que amparou (e ainda ampara) Lula.
Em certo sentido, o filme abre para muitas interpretações políticas. Porque no final, ele tem dois grandes méritos: o primeiro é o de oferecer uma narrativa estruturada sobre o que aconteceu no Brasil nos últimos anos. Concordemos ou não, é uma narrativa organizada, lógica.
Mas o segundo mérito, talvez o mais importante, é cruzar as histórias pessoais com a vida política do país. Outras narrativas virão, outros lugares de fala se levantarão...e talvez elas mostrem que essa democracia sempre esteve em vertigem ao longo de sua história.
