1. A visita “oficial” do Presidente do Benfica a Cabo Verde, bem como a forma como esta é ilustrada por alguma imprensa em Portugal, é bastante sugestiva e densa.
2. Há, obviamente, um lado linear: o Benfica é para Vieira um facilitado de negócios, uma chave de acesso a governos de Estados africanos de expressão portuguesa, onde as suas empresas têm interesses económicos e políticos diversos.
3. E a intercepção dos seus negócios com a presidência do clube foi sempre uma constante. Vieira sabe que tem muito a ganhar: enquanto for presidente do Benfica, beneficiará de um regime especial de que mais ninguém beneficia.
4. Beneficia em Portugal, com perdões ou negociações de dívidas colossais, como beneficia em África. Só à luz de um estatuto de excepção se explica a condecoração de um homem que está, neste momento, a ser investigado por burla, fraude fiscal, corrupção, etc.
5. Foi por isso que, ainda há dias, a imprensa disse que Vieira estava a dormir no Seixal, centro de estágios do Benfica, e que agendara para aquele local reuniões relacionadas com a sua vida empresarial. 
6. Mas há outro lado: Vieira é um self-made man que facilmente tropeça no seu próprio deslumbramento. Não percebe, como qualquer homem de negócios, que a discrição é a chave do sucesso. Em África, Vieira comporta-se como um colonizador. Este é o lado simbólico.
7. “Vieira recebido em apoteose. Cabo Verde pára para receber Vieira. Euforia em Cabo Verde.” — não há dúvidas sobre a ideia que pretendem passar.
São incontornáveis as semelhanças da visita de Vieira às visitas de Caetano ou Thomaz às ex-colónias. Mas será exactamente assim?
8. Não. As coisas são muito diferentes do que parecem e muito diferentes do que eram no passado. Afinal, a apoteose em que Vieira desejava ser recebido no aeroporto consistiu em aprox. 30 pessoas, como é possível perceber pela imprensa cabo-verdiana.
9. Pessoas essas mobilizadas pela própria organização da visita, que até distribuiu bandeiras pelos participantes, com as imagens da TCV revelam. Ainda assim, apesar dos apelos e dos esforços de organização, não foi possível mais. Não importa.
10. O movimento aparentemente espontâneo era uma encenação, uma espécie de comício previamente preparado para que a propaganda produzisse as imagens pretendidas. Assim se fez.
11. E também neste aspecto são intensas as semelhanças com as visitas oficiais que os protagonistas políticos do Estado Novo realizaram nas então colónias. Recomendo as imagens da visita oficial do Almirante Américo Thomaz, nos arquivos da RTP.
(Este vídeo tem pormenores deliciosos, entre os quais este aqui. Observem a indiferença e o ar de frete com que muitos negros agitavam mecanicanicamente as bandeirinhas que a organização do evento lhes atribui.)
12. O Benfica é a maior herança do regime fascista e colonialista que vigorou em Portugal. É ele que, hoje, corporiza a ideia de nação una, pluricontinental e multirracial. É ele que se projecta no mundo como elo de agregação entre a metrópole e as suas colónias ultramarinas.
13. E não o é de forma passiva. É-o porque assim deseja. “Maior que Portugal”: é o reflexo da vocação colonialista de um clube que pretende ultrapassar as fronteiras atuais do seu país e expandir-se até às fronteiras do passado. Um misto de saudade e vontade.
