Nesse dia do professor, o texto da @_pinheira cala forte, falando sobre adoecimento discente e docente no meio acadêmico, um tema que ela já havia explorado no texto "Precisamos falar sobre a vaidade na vida acadêmica".

Mas eu queria fazer um fio-adendo:

theintercept.com/2019/10/14/gue…
A guerra contra a educação não começou no governo Bolsonaro, mas certamente se institucionalizou como política de Estado nele.

E há um dado assustador para corroborar isso: o suicídio de professores da rede pública:

cpers.com.br/precisamos-fal…
Eu não falo aqui somente de "Burnout" (pesquisem, queridos, pesquisem). Falo de depressão e suicídio agravados por questões óbvias: assédio, baixos salários, péssimas condições de trabalho.
No Rio Grande do Sul, talvez tenhamos um laboratório para olhar para esse processo. Desde que o governador José Sartori (MDB) foi eleito, em 2014, os salários do funcionalismo estadual passaram a ser parcelados e sujeitos a atrasos.
Para "resolver", o governo teve a brilhante ideia de garantir empréstimos facilitados para o funcionalismo via Banrisul, o banco do Estado.

Assim, os docentes recebem seu salário, mas uma parte dele é aprisionada pelo banco no sistema de empréstimos consignados.
Sartori não foi reeleito e quem levou, em 2018, foi o atual governador, Eduardo Leite (PSDB). E Leite manteve a política de parcelamento de salários, agora com atrasos de 45 dias - e os juros do banco correndo, claro.
Pego pelo relato de minha amiga, Maria (nome fictício), professora do Estado e doutoranda. Resolveu largar 20h do seu contrato e trabalha num EJA na zona central de Porto Alegre. Turmas reduzidas, falta de professores, pessoal da escola tendo que levar produtos de higiene...
Todo material produzido para os alunos sai do bolso de Maria, assim como dos seus colegas. A escola não tem vigia desde março. Realidade da guerra da educação nessa linha de frente não é nada fácil.
Nem discuto aqui falta de infraestrutura das escolas - já em 2016 uma pesquisa constatava que somente 4,5% das escolas tinham tudo aquilo que é previsto na LDB (biblioteca, assistência pedagógica, quadra poliesportiva).

agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/notic…
Maria tá pagando um dobrado no doutorado, conciliando com a vida de professora. É uma realidade frequente na pós-graduação de licenciaturas, quando faltam bolsas aos pesquisadores.

Eu mesmo passei por isso no doutorado, rejeitando uma bolsa para ficar na escola privada.
Eu ganhava mais do que a bolsa, mas trabalhava feito um cão. Com altas doses de assédio e um ritmo de trabalho maior do que o previsto em lei, cheguei no primeiro ano da tese esgotado, sem ter produzido nada. Conciliei as duas coisas até onde deu...
A minha experiência equilibrando as atividades docentes e discentes não foi nada fácil. Eu acho que sou um professor melhor graças a ela, claro. Mas precisava passar por tanto desgaste, por tanto assédio?
Nós últimos 5 anos, eu diria que quase toda a política educacional formulada no âmbito do Estado foi focada só em aumentar a exploração dos docentes da educação básica e instituir mecanismos de assédio - como o famigerado "Escola sem Partido".
Na iniciativa privada isso já rolava direto e foi o grande ponto de investida do EsP no seu início, em especial em escolas de elite. Tiago (nome fictício), amigo meu, trabalha numa dessas. Na semana passada, um pai interrompeu uma atividade sobre ditadura militar acusando...
...os professores de "mentirosos" e "doutrinadores".

Mas o grande sonho dessa galera, que defende a ampliação do assédio aos docentes, é poder fazer isso dentro das escolas públicas, mesmo que o EsP tenha sido declarado inconstitucional.

agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/notic…
Ainda assim, isso não impediu a Câmara de Vereadores de BH em passar um projeto de lei nesse sentido anteontem. E tome mais precarização. Uma política que desvaloriza docentes e menospreza os discentes, convém destacar.

google.com/amp/s/www.em.c…
A visão dominante sobre educação no Brasil é que ela é um fardo, um gasto, algo que agora é vocalizado pelos trogloditas e farsantes que estão no MEC.

A real é que ser professor é treta, gente. Certeza que muita gente tem histórias maravilhosas sobre seus profes, torcem por nós.
Mas a verdade é que é uma luta e tanto. E se vocês querem mesmo homenagear os professores, a melhor coisa hoje, é barrar quem odeia a educação, quem quer assediar docentes, quem não respeita as condições discentes.
Não tem fórmula mágica para uma educação emancipatória quando a sociedade odeia os professores e menospreza os alunos. Por essas e outras que o dever de qualquer um que homenageie os professores é justamente transformar a sociedade.
Queria terminar esse texto numa nota mais positiva, mas é osso. Precisamos parar com a romantização da docência. Não somos heróis, ser professor não é sacerdócio. Estamos ficando doentes e ficaremos ainda mais se ninguém mais lutar do nosso lado para mudar a sociedade.
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