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Resposta a uma carta de intimidação

No último dia 18, recebi uma carta da Companhia das Letras solicitando meu silêncio nas redes sociais em relação ao processo de censura por pressão econômica movido pela editora contra a biografia que escrevi de Roberto Marinho.
A mensagem é subscrita pela pessoa jurídica Editora Schwarcz S.A., pelo biógrafo Lira Neto e pelo empresário Luiz Schwarcz. O livro seria publicado pela editora, mas o prazo de lançamento previsto em contrato, de um ano a partir da entrega dos originais, expirou.
Em encontro em São Paulo, a empresa e eu acertamos o fim da parceria. A relação não estava boa desde que fui informado, por terceiros, que Lira Neto, contratado para ser o revisor, teria a função de coautor. Assim, senti-me livre para buscar outra editora.
Mais de um ano depois, tempo suficiente para Schwarcz repensar sua posição, lancei o trabalho pela Nova Fronteira. Schwarcz pediu o recolhimento dos exemplares.
Como não me pediram sigilo, divulgo aqui a carta e a minha resposta.
1. Ao contrário do exposto na carta, faço comentários nas redes sociais sem usar termos ofensivos. Recorro a este espaço apenas para explicar a judicialização do caso por parte da Companhia das Letras e os motivos que impediram a publicação da biografia pela editora.
Só a preocupação excessiva com a imagem pode interpretar críticas como calúnias e difamações. Os únicos termos próximos de crimes de honra foram usados pela editora, que me chamou de “imoral” e “antiético” em nota pública e e-mail.
2. Na carta, eles escrevem que “a editora e os signatários não pretendem e nunca pretenderam impor qualquer tipo de censura” e “Desejam-lhe, ao contrário, e com sinceridade, sucesso no livro”. Para provar a censura e pedido de recolhimento, cito trecho da ação da própria editora:
“(...) requer-se a antecipação dos efeitos da tutela, para o fim de que se abstenha o Requerido de publicar, lançar, divulgar ou comercializar, por quaisquer formas e mídias, a obra biográfica de Roberto Marinho”.
A situação ficou ainda mais difícil quando Luiz Schwarcz procurou fontes do meu livro para informar que o biógrafo tinha sido escalado como “coautor”. Pedi esclarecimentos.
Um funcionário da editora relatou por telefone que Schwarcz pensou em pedir desculpas, mas, depois, avaliou que tudo estava resolvido. Então, insisti na saída de Lira Neto do projeto por “quebra de confiança”, conforme e-mail incluído pela própria defesa da editora no processo.
4. Na carta, a editora usa pela primeira vez o termo “editor externo” para classificar o trabalho de Lira Neto. Antes, chamava o biógrafo de revisor. Na edição, ocorriam erros e acertos por parte de todos os envolvidos. O problema mais incômodo, além da falta de transparência...
...e diálogo, era o tempo de dois meses gasto pelo revisor para cada lote de 35 páginas, que poderia alongar o trabalho por mais de dois anos, ultrapassando, assim, o prazo previsto de publicação previsto em contrato. Insisti nesse fato.
A editora reconheceu, num e-mail, que “talvez tenha faltado alguma diplomacia” por parte de Lira Neto.
5. Diferentemente do que sugere a carta, em nenhum momento tentei, nas redes sociais, questionar a ética ou desqualificar o biógrafo. Apenas busco dar uma versão sobre um processo ofensivo a minha honra, sempre aberto a quaisquer outras versões.
Horas antes de lançar o livro no Rio, dia 17 de maio de 2019, fui informado sobre o processo por repórteres que pediam um esclarecimento, o que me causou desconforto e sentimento de injustiça num momento importante de um projeto de livro, ofensa que jamais esperava de Schwarcz.
6. Na carta, os signatários destacam que “Nunca – repita-se, nunca – pediu-se a V.Sa. que modificasse qualquer trecho do livro envolvendo Walther Moreira Salles. Sabemos – os signatários e VSa. – que essa é uma acusação totalmente inverídica”.
Escrevem ainda que “os editores internos ou Lira Neto nem sequer chegaram a ler, que dirá discutir com V.Sa., o capítulo ‘O embaixador e o mulato’. Não foi assim. Na noite de 24 de novembro de 2015, na Livraria Travessa, de Ipanema...
no lançamento de um livro sobre a história do samba canção, relatei a um editor da Companhia das Letras que tinha apurado histórias do banqueiro Walther Moreira Salles, pai de Fernando, por sua vez então sócio de Schwarcz.
Entre essas histórias estavam a tentativa de Moreira Salles tomar a TV Globo de Roberto Marinho e a participação dele num cartel que utilizava recursos do Banco do Brasil no período do governo Getúlio Vargas, fato este que não tinha aparecido nem mesmo nos livros sobre o ditador.
7. Eles ressaltam na carta que “Sabemos todos, novamente, que o processo de edição foi interrompido, por decisão unilateral de VSa., em momento muito anterior da narrativa”. Vale observar que a “narrativa” Walther Moreira Salles começou em 2015...
...quando avisei na Travessa sobre a história do banqueiro e que iria escrevê-la. Essa questão só não está na “narrativa” construída no processo de censura da editora, que utiliza apenas e-mails trocados com um editor e não cita encontros presenciais e telefonemas...
É preciso observar ainda que pelos menos dois dos signatários da carta (a editora e Luiz Schwarcz) e eu sabemos, na verdade, que a minha saída da Companhia das Letras foi definida numa conversa de conciliação, em março de 2018, na sede da empresa em São Paulo.
O executivo que conversou comigo solicitou que eu deixasse a casa de forma tranquila, mantendo as portas abertas. Nesse momento, Schwarcz abriu a porta da sala em que a conversa ocorria e, ao me ver, fechou- a sem entrar e sem nada falar.
8. A carta diz que “Luiz Schwarcz não acompanhou diretamente o processo editorial da biografia, e não chegou sequer a ler os textos" enviados por mim. Ele sabe que numa conversa que tivemos na noite de 22 de junho de 2016, no lançamento de um livro, na Argumento, no Leblon...
...ele demonstrou preocupação com o trecho dos originais sobre Moreira Salles e disse que precisávamos conversar sobre “O mulato e o embaixador”, interrompendo aí a conversa.
9. O relatório do "Cartel Aranha", que cita Moreira Salles, está na Fundação Getúlio Vargas. A Companhia das Letras, ainda em 2016, quando tinha Fernando Moreira Salles no topo de sua estrutura, recebeu por mim a informação da existência e o conteúdo desse documento.
A propósito, é prática do jornalismo moderno identificar tesoureiros e operadores de representações políticas que formam um governo.
10. A carta sugere que a intenção de meus posts na internet é “simplesmente difamar os signatários”. Não fui eu quem judicializou esse caso e, consequentemente o colocou na esfera pública.
Aliás, fiquei surpreso quando a editora iniciou uma ofensiva contra mim utilizando os termos, repito, “imoral” e “antiético”, injúrias que não serão questionadas na Justiça. Por princípio, avalio que um profissional que vive da caneta, só tem o caminho do debate público.
Mas não julgo quem opta ficar em silêncio no âmbito social e jogar para a Justiça a responsabilidade da discussão.
11. A carta avalia que meus esclarecimentos atingem a reputação de pessoas “honestas e amplamente reconhecidas pela sociedade por seu méritos profissionais”. Considero os signatários honestos e profissionais, a ponto de lamentar o fato de a censura ter partido deles.
No entanto, a edição do meu livro foi marcada por quebras de normas consagradas pelo mercado. Uma dessas rupturas foi a não marcação de provas (prática de um revisor assinalar trechos alterados ou propostas de mudanças), o que tirou minha autonomia sobre os originais.
12. Todos nós sabemos, Luiz Schwarcz, Lira Neto e eu, que a editora não quis problemas com Fernando Moreira Salles e por isso tentou tirar de mim a autoria do livro. Esclarecer uma situação que me angustia desde maio, me desculpem os signatários da carta, não é caluniar...
...mas exercer o direito da manifestação civilizada. Aliás, apontar a ligação com o banqueiro não é mostrar a parceria com um criminoso. A atividade de homem do mercado financeiro não é prática ilícita. Uma situação que perturba um indivíduo não necessariamente é uma denúncia.
13. Muito me assusta que um biógrafo e um dono de editora peçam a quem ganha a vida com a escrita “cessar” críticas públicas e "abster" de veicular conteúdos. Uma das bases do jornalismo e das democracias é o debate de ideias.
O direito de recorrer à Justiça para reparar um suposto dano não é uma concessão automática para bloquear a discussão na esfera do jornalismo. Isso só pode ocorrer quando um Magistrado assim decide.
14. Tenho consciência do poder dos signatários e da força de donos do Itaú-Unibanco em setores do pensamento, da cultura e da economia, capazes de impedir que esse caso de censura por pressão econômica seja tratado por alguns como uma história de violação da liberdade.
Jamais abrirei mão, porém, de meu papel de jornalista comprometido com a história do Brasil, nos limites estabelecidos pela legislação e pelas Autoridades Judiciais.
Aposto numa revisão historiográfica do período Vargas para a inclusão de novos nomes. Para isso, os brasileiros, em especial os Moreira Salles, precisam olhar o passado com leveza, ter disponibilidade para receber críticas e participar de debates abertos como iguais.
Se a intenção de Schwarcz fosse recuperar o adiantamento do trabalho que ele não quis publicar, jamais recorreria à estratégia do recolhimento dos exemplares. Sem livro na praça, eu não poderia pagar o dinheiro que a editora diz ser dela. Esta é uma contradição que não explicam.
20. É preciso observar que a defesa de Schwarcz e de Lira Neto não orientou seus clientes a enviar a carta ao advogado Alexandre Fidalgo, que me representa no processo. Foi no mínimo uma contradição. Afinal, diferente de mim, a editora deixa claro que o caso está judicializado...
...e que a esfera certa do debate é o tribunal. Se o tom da carta fosse informal ou seguisse regras da amizade, Lira Neto não me chamaria de Vossa Senhoria, mas apenas de amigo, como sempre fez.
Tenho convicção que a Justiça, caso um novo processo chegue lá com a inclusão da carta aqui publicada, perdoará quaisquer fragilidades ou equívocos de ordem emocional na minha resposta.
21. A carta prega o “espírito do convívio civilizado” e adota, ao mesmo tempo, um tom de intimidação.
22. Lira Neto e Luiz Schwarcz insinuam que meus esclarecimentos mostram uma discordância da “decisão soberana da justiça”. Isso é ilação. Jamais um jornalista que só escreve Justiça com letra maiúscula divergirá das decisões de uma Magistrada ou um Magistrado.
Em nenhum momento eu questionei o Juiz da 1ª instância. Quem diverge da Justiça são eles que mostram repugnância ao fato de Alexandre Fidalgo apelar à 2ª instância, ignorando assim essa etapa judicial e seus integrantes.
Alexandre Fidalgo pediu acareação para checar informações não avaliadas na primeira fase. Eles divergem também da Justiça quando tentam passar por cima da decisão tomada em 2015 pela Ministra Cármen Lúcia, do Supremo, de acabar com a censura prévia de biografias.
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