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Quando a gente fala sobre dominação ideológica pelas classes dominantes é algo muito sério e, na materialidade, tem um lastro enorme. Se me permitem, vou me utilizar de exemplo.
Eu me considero uma pessoa anticapitalista, seja como sistema socioeconômico seja como ideologia, além de visão de mundo, ethos, pathos, etc etc etc. Para sintetizar: acho o capitalismo todo cagado e que vai, cedo ou tarde, se a gente não se coçar, acabar com tudo e todos.
Nego veementemente essa ética da produção, uma moral da produtividade, onde nós somos aquilo o que produzimos e qualquer avaliação daquilo que somos tem que passar por aquilo e quanto produzimos. Para sintetizar: apesar de ser uma parte realmente importante da nossa existência+
você não é seu trabalho e seu trabalho não é você, seu trabalho, os frutos dele, as relações dele e com ele, são parte de um todo, não um todo de uma parte. Essa noção de que você é o seu trabalho e seus frutos que tendemos a significar e conceitualizar sujeitos pelo seu trabalho
Como quando apresentamos alguém para alguém sempre falamos: ah, esse fulano, ele é professor e dá aula na escola tal. Ou quando falamos: nossa isso é tão coisa de [insira qualquer profissão aqui]. Ou ainda quando expomos nossos jovens a decidir "o que eles vão ser da vida",
quando eles nem sabem ainda o que são direito. O trabalho basicamente define quem é você na vida adulta e na velhice. Acho que até tá claro, né? Bom, então vamos ao meu caso.
Como disse acima, sou bem contra tudo isso e [tento] lutar contra isso, seja através da minha atuação enquanto comunicador, enquanto educador e enquanto militante, às vezes essas três coisas convergem para um coisa só.
No dia 20 de dezembro entrei em férias, depois de um ano bem puxado onde dou aula. Teve de um tudo lá em 2019, que já me parece tão distante, e quem me segue aqui a mais tempo sabe do que eu tô falando. 30 dias [merecidos] de descanso [necessário].
Aproveitei os primeiros dias de ócio e recreação para ler, descansar, meditar sobre o ser e o nada, enfim, cuidei de mim. Passando alguns dias me dediquei aqui ao Clio, preparando pautas roteiros, esquemas de textos, enfim.
Passaram alguns dias e então veio aquela típica culpa de quem foi criado sob uma ética capitalista misturada com uma moral dominicana: estava me julgando por estar sem fazer nada e sem nada pra fazer.
Como não tenho fé para chamar de minha, a culpa se expiou pelo recalque e então passei a ficar num humor intragável, estando num estado de crise emocional profunda.
E fui notando que acabei melhorando aos poucos quando o dia do meu retorno à escola foi voltando até chegar no seu zênite ontem: pela primeira vez em uns dez, quinze dias, dormi bem, comi bem, não tive prisão de ventre e estava empolgado com alguma coisa. A crise tinha ido embora
Não posso negar a relação de um com o outro: voltar a trabalhar expiou a minha culpa por não fazer nada. Agora devemos nos perguntar: onde está essa culpa por não fazer nada? De onde ela vem? Conscientemente não poderia ser, pelos motivos expostos acima.
Porém a dominação mental é algo bem poderosa e profunda: por estar e fazer parte do sistema eu sou o sistema, e reproduzo seus valores morais plasmados.
Esse valores são tão impregnados na nossa mentalidade que é a toa que Paul Lafargue, franco-cubano socialista, e genro de Marx, escreveu "O Direito a Preguiça".
Precisamos combater essa ética da produção exaustiva e intermitente, ela é o hard core de todo o sistema capitalista, produzir apenas pela expectativa de geração de riqueza num universo de recursos finitos só gera destruição, exploração, exaustão e angústia (alô, Kierkegaard)
Aproveitem o ócio, aproveitem o descanso, não se sintam culpados, se hidratem, como bem, de preferência alimentos orgânicos regionais, durmam bem. E soquem nazistas.
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