Com uma certa frequência, recebo pedidos de pacientes ou amigos, para dar uma olhada nos exames que acabaram de colher. Isso é uma saia justa danada. Nesse fio, eu tento explicar o porquê.
Normalmente, quando a pessoa tem rudimentos de estatística fica mais fácil explicar alguns conceitos sobre a incerteza das decisões médicas. Entretanto, é preciso explicar (e convencer) que a incerteza é uma sombra que acompanha a medicina em cada movimento que ela faz.
Um exame que está dentro de um valor normal pode querer dizer MUITA coisa, ou nada. O mesmo vale para exames que estão FORA dos valores normais. Para entender alguma coisa disso, vale esse texto que escrevi há alguns anos. scienceblogs.com.br/eccemedicus/20…
Dessa forma, a interpretação de um resultado depende de uma coisa que os médicos chamam de probabilidade pré-teste. Nesse contexto de incerteza, um resultado NORMAL pode ser mais importante do que um alterado. E vice-versa!! A interpretação vai depender do quadro clínico geral
Como se isso não bastasse, os exames mostram variações, seja porque o organismo biológico varia normalmente, seja porque os métodos de coleta, análise e interpretação também apresentem variações dependentes das mais diversas causas. É um labirinto móvel de dúvidas!
A coisa fica ainda mais complicada quando temos que comparar resultados de exames.
Vejam só a encrenca. Suponha que um resultado, digamos, a dosagem da Vitamina D, venha alterado para baixo. O médico decide então realizar a reposição com a medicação específica e depois vai querer saber se foi suficiente ou não.
Mas, o primeiro resultado contém a incerteza inerente àquele momento específico. O segundo contém a incerteza de um outro momento. Como comparar os dois? É comum usarmos variações de 10% como significativas, mas a escala de variação muda radicalmente de exame para exame
O BMJ lançou um site muito interessante onde é possível colocar 2 resultados de exames e concluir se houve mudança significativa baseado nas variações analíticas e biológicas de alguns exames. bmj.com/content/368/bm…
São 38 testes que cujos resultados comparativos podem ser analisados. As variações significativas vão de 2% a 50% dependendo do teste! Por isso é tão difícil interpretar um exame isolado e também sua evolução após uma intervenção.
As conclusões, portanto, são as seguintes: 1/ Quanto maior a incerteza, maior a diferença necessária que tem que ser observada entre 2 medidas. 2/ Criou-se um índice chamado “reference change value” (RCV) que permite decidir se uma variação é apenas devido ao acaso ou não.
3/ A variação biológica é caracteristicamente a que mais contribui para o RCV. Os bons laboratórios podem fornecer as variações analíticas quando solicitadas.
Tendo em vista todas essas variáveis, é preciso CUIDADO ao analisar os resultados dos exames superficialmente. E aos colegas médicos, é preciso RESPONSABILIDADE ao solicitá-los. Exames, sejam normais ou não, também podem causar “doenças”..
