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Com o coronavírus batendo na porta, muita desinformação está começando a ser espalhada por aí. Até agora, as únicas prevenções garantidas são evitar aglomerações e lavar as mãos com sabão. Qualquer sabão serve, mesmo os mais baratos. Mas por que sabão especificamente? Segue aí!
Essa é uma thread que foi postada originalmente em inglês por Palli Thordanson, professor do Depto. de Química da UNSW, de Sydney.
Vou traduzir os tweets porque achei bem interessante. Não deixem de curtir e comentar a thread original tb, se puderem:
"Por que sabão funciona tão bem com o SARS-CoV-2, o coronavirus e a maioria dos vírus? Por que são nanopartículas auto-organizadas, em que o elo mais fraco é a bicamada lipídica (gordurosa). Thread em duas partes sobre sabão, vírus e Química supramolecular." #COVID19 Estrutura do coronavírus, destacando o
"O sabão dissolve a membrana gordurosa e o vírus se desmonta como um castelo de cartas e "morre"; ou melhor, devíamos dizer que se torna inativo, já que vírus não são realmente vivos. Vírus podem ficar ativos fora do corpo por horas, até mesmo dias."
"Desinfetantes, ou líquidos, lenços, géis e cremes contendo álcool (e sabão) têm efeitos parecidos, mas não são tão bons quando sabão normal. Diferente do álcool e do sabão, os "agentes antibacterianos" nesses produtos não afetam a estrutura do vírus em praticamente nada."
"Consequentemente, muitos produtos antibacterianos são basicamente só um sabão mais caro em termos de como agem em vírus. Sabão é melhor, mas lenços com álcool são bons quando o sabão não é prático ou está à mão (p. ex., em recepções de escritórios)."
"Mas por que exatamente o sabão é tão bom? Para explicar isso, vou levar você numa viagem pela #quimica supramolecular, nanociência e virologia. Tentarei falar em termos genéricos na medida do possível, o que significa que estou deixando de lado alguns termos especializados."
"Quero frisar que, apesar de ser um expert em química supramolecular e na organização de nanopartículas, não sou virologista. A imagem do primeiro tweet é desse excelente post, cheio de boas informações de virologia:" medium.com/@edwardnirenbe…
"Sempre fui fascinado por vírus, que vejo como um dos exemplos mais espetaculares de como química supramolecular e nanociência podem convergir. A maioria dos vírus são feitos de três partes chave: RNA, proteínas e lipídios."
"O RNA é o material genético do vírus, bem parecido com o DNA. As proteínas têm várias funções, incluindo invadir a célula-alvo, ajudar a replicação do vírus e basicamente ser um componente-chave na estrutura geral do vírus (como um tijolo em uma casa)."
"Os lipídios então formam uma camada em torno do vírus, para proteção e para ajudar com sua disseminação e invasão celular. RNA, proteínas e lipídios se auto-organizam para formar o vírus. Criticamente, não há ligações "covalentes" fortes segurando essas unidades juntas."
"Ao invés disso, a auto-organização viral é baseada em interações fracas "não-covalentes" entre proteínas, RNA e lipídios. Juntos, esses três agem como velcro, então é bem difícil quebrar a partícula viral auto-organizada. Mas ainda podemos fazer isso (ex., com sabão!)."
"A maioria dos vírus, incluindo o coronavírus, têm entre 50-200 nanômetros, então são verdadeiras nanopartículas. Nanopartículas interagem complexamente com as superfícies em que estão. Assim é com vírus.Pele, aço, madeira, pano, tinta e porcelana são superfícies bem diferentes."
"Quando um vírus invade uma célula, o RNA "toma" o aparato celular como um vírus de computador (!) e força a célula a fazer muitas cópias novas de seu RNA e das várias proteínas que compõem o vírus."
"Essas novas moléculas de RNA e proteínas se auto-organizam com os lipídios (geralmente já disponíveis na célula) para formar novas cópias do vírus. Isso é, o vírus não se xeroca, ele faz cópias de seus pedaços, que então se auto-organizam em novos vírus."
"Todos esses vírus eventualmente são demais para a célula e ela morre/explode, lançando novos vírus, que então infectam novas células. Nos pulmões, alguns desses vírus vão parar nas vias aéreas e nas mucosas que as envolvem."
"Quando você tosse, ou especialmente quando espirra, gotinhas de água das vias aéreas podem voar até 10 metros! As maiores, que se acreditam ser as que mais transmitem coronavírus, podem viajar pelo menos 2m. Ou seja, cubram a boca ao tossir e espirrar, pessoal!"
"Essas gotinhas vão parar em superfícies, e geralmente secam rápido. Mas os vírus ainda estão ativos! O que acontece a seguir têm a ver com química supramolecular e como partículas auto-organizadas (como vírus) interagem com o ambiente!"
"Agora é hora de introduzir um conceito poderoso da química supramolecular que diz: moléculas parecidas parecem interagir mais forte entre si do que com as diferentes. Madeira, pano e, claro, pele interagem bem forte com vírus."
"É bem diferente do aço, parcelana e alguns plásticos, como teflon. A estrutura da superfície também é importante: quando mais plana, menos o vírus "gruda" na superfície. Superfícies muito ásperas podem desmontar o vírus."
"Por que as superfícies variam, então? O vírus se mantém unido por uma combinação de ligações de hidrogênio (como as da água) e nós chamamos interações hidrofílicas. A superfície de fibras de madeira, por exemplo, consegue formar muitas ligações de hidrogênio com o vírus."
"Em contraste, aço, porcelana ou teflon não formam muitas ligações de hidrogênio com o vírus. Então, o vírus não fica fortemente aderido a essas superfícies. Ele fica bem estável nessas superfícies, enquanto não fica ativo por tanto tempo em, digamos, pano ou madeira."
"Por quanto tempo o vírus se mantém ativo? Depende. Acredita-se que o coronavírus SARS-CoV-2 fica ativo em superfícies favoráveis por horas, talvez um dia. Umidade (que "dissolve"), luz do sol (que tem UV) e calor (causa movimentos moleculares) podem fazer o vírus menos estável."
"A pele é uma superfície ideal para vírus! É "orgânica" e as proteínas e ácidos graxos das células na superfície interagem com o vírus através de ligações de hidrogênio e outras interações."
"Então, quando você toca, digamos, uma superfície de aço com partículas de vírus, eles vão grudar na sua pele e então serão transferidos para sua mão. Mas você (ainda) não está infectado. Se tocar seu rosto, porém, o vírus pode se transferir de suas mãos para ele."
"E agora, o vírus está perigosamente próximo de suas vias aéreas e as membranas mucosas dentro e em volta de sua boca e olhos. Então, o vírus pode entrar e... voilá! Você está infectado (isso é, a menos que seu sistema imunológico mate o vírus)."
"Se o vírus está em suas mãos, você pode passá-lo para outros em apertos de mão. Beijos, claro, isso é meio óbvio... Não preciso dizer que se alguém espirra direto na sua cara, você está em apuros. Parte 2 sobre sabão a seguir!"
"Parte 2 sobre sabão, química supramolecular e vírus. Então, quão frequentemente você toca o rosto? A maioria das pessoas toca o rosto a cada 2-5 minutos! Então, é, você está em alto risco quando o vírus ativo vai parar em suas mãos, a menos que possa lavá-lo logo."
"Então, vamos tentar lavar com água pura. Pode funcionar. Mas água "apenas" compete com as fortes interações "colentas" entre a pele e o vírus, via ligação de hidrogênio. O vírus é bem grudento e pode não sair. Água não é o bastante."
"Água e sabão é outra história. Sabão contém substâncias "gordurosas" chamadas anfifílicas, algumas bem parecidas com os lipídios da membrana do vírus. As moléculas de sabão "competem" com os lipídios da membrana do vírus." Esquema de como moléculas de sabão
As molécuças de sabão também competem com as várias outras ligações não-covalentes que ajudam as proteínas, RNA e lipídios a se manterem juntas. O sabão está efetivamente "dissolvendo" a cola que mantém o vírus inteiro. Adicione a isso toda a água."
O sabão também compete com mais interações entre o vírus e a superfície da pele. Logo, os vírus se soltam e se desmontam como um castelo de cartas, graças à ação do sabão e da água. O vírus se foi!"
"A pele é bem áspera e enrugada, e essa é a razão para você ter que esfregar e molhar bem para garantir que o sabão atinja cada dobrinha da superfície da pele que pode estar escondendo vírus ativos."
"Produtos baseados em álcool, o que inclui quase todos os produtos "desinfetantes" e "antibactericidas" contém uma alta porcentagem de álcool, tipicamente 60-80% etanol, às vezes com um pouco de isopropanol, além de água e um pouquinho de sabão." Ingredientes de um produto desinfetante para as mãos, contendo 70% de álcool.
"Etanol e outros álcoois não apenas formam ligações de hidrogênio imediatamente com o material viral, mas, como solvente, é mais lipofílico que a água. Por isso o álcool também dissolve a membrana lipídica e rompe outras ligações supramoleculares com o vírus."
"Entretanto, você precisa de uma concentração bem alta (talvez 60%+) de álcool para ter uma dissolução rápida do vírus. Vodka ou uísque (~40% de etanol) não dissolvem o vírus tão rápido. No geral, álcool não é tão bom quanto sabão nessa tarefa." Foto de uma garrafa de Jack Daniels.
"Quase todos os produtos antibacterianos contém álcool e um pouco de sabão e isso ajuda a matar vírus. Mas alguns também incluem agentes bactericidas "ativos", como o triclosan. Esses não fazem quase nada com vírus!"
"Para resumir, vírus são quase como pequenas nanopartículas gordurosas. Eles podem ficar ativos por muitas horas em superfícies e ser passados ao tocarmos nelas. Eles então chegam ao nosso rosto porque a maioria de nós toca o rosto constantemente."
"Água não é muito eficaz sozinha para lavar o vírus de nossas mãos. Produtos baseados em álcool funcionam melhor. Mas nada vence o sabão - o vírus se solta da pele e de desmonta bem rápido em água com sabão."
"E aqui está - química supramolecular e nanociência nos revelam bastante não só sobre como o vírus se auto-organiza em uma ameaça funcional ativa, mas também como vencer vírus com algo tão simples como sabão." Lista de interações inter- e supramoleculares.
"Obrigado por ler minha primeira thread. Desculpe por quaisquer erros acima. Eu posso ter me confundido em alguns detalhes de virologia, já que não sou virologista como @MackayIM, de quem sou muito fã! Mas espero que inspire você a não só usar sabão, como ler sobre Química!"
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