Thread by @lucasmafaldo

Sei que o assunto "Moro no Ministério da Justiça" já esfriou, mas gostaria de voltar a ele, porque há uma questão muito interessante implícita nessa discussão: o modo como as pessoas raciocinam e os riscos de uma imaginação desconectada dos fatos.

É muito fácil imaginar uma situação onde um juiz, pensando em promoções futuras, decidiu prejudicar um líder político para ser beneficiado pelos seus adversários.

Assim como é fácil imaginar um juiz sendo subornado por um governo estrangeiro para derrubar o líder nacionalista.

Porém, a questão é: não é porque você pode imaginar esse filme na cabeça que isso é verdade.

Pois também é fácil imaginar uma narrativa inteiramente diferente: o líder político preso era realmente culpado, mas espalhou boatos para destruir a reputação do juiz honesto.

Qual desses pequenos "filmes" são verdadeiro? A pura imaginação não é suficiente para resolver essa questão. Você preciso olhar para a realidade, observá-la com atenção e ir catando indícios que confirmem cada lado.

No caso de Moro, me parece mais do que óbvio que ele é totalmente honesto: (i) a Lava Jato recuperou bilhões para o estado (ou seja, dinheiro que DE FATO foi encontrado -- não é "argumento"); (ii) ele é um dos juízes cujas sentenças mais são confirmadas por tribunais superiores.

Ou seja, todos os indícios concretos apontam em uma direção. Porém, os jornalistas e intelectuais aliados ao PT não se rendem aos fatos. Eles estão tão emocionalmente e socialmente comprometidos com o PT que não podem aceitar uma narrativa em que apareçam como vilões.

Defender Lula se tornou parte da sua identidade e da sua visão de mundo. Os fatos que não cabem na "narrativa" é uma verdadeira agressão psicológica: o seu próprio senso de quem eles são está sob ameaça.

Diante dessa ameaça, a mente inquieta começa a produzir uma série de argumentos para encobrir os fatos. Não se trata mais de razão, mas de "racionalização", para usar uma expressão psicanalítica.

Um argumentador eficiente consegue facilmente se deslocar da realidade, usando...

... a linguagem para provocar reações emocionais fortes -- exatamente como um adolescente esperto que descobre os gatinhos emocionais que tiram os pais do sério.

Ser intelectual hoje em dia é, basicamente, disparar esses gatilhos emocionais-imaginativos para confundir o público.

Os intelectuais "não-alinhados" acabam virando "isentões" por causa dessa confusão: eles percebem que a névoa emotiva está errada, mas não a querem enfrentar de frente, então aceitam e repetem parte da "narrativa" para adicionar pitadas de verdade na discussão.

Outro risco é que as pessoas passem a rejeitar o debate público inteiramente, criando uma cultura paralela, desconectada da cultura oficial. De certo modo, isso aconteceu nos EUA, com uma cultura conservadora e outra progressista.

Isso pode levar à vitórias eleitorais imediatas, mas é péssimo no longo prazo para a coesão social.

O Brasil corre o risco de passar por algo semelhante, mas está muito distante desse ponto (até porque há menos isolamento regional).

Porém, o ideal é insistir que a verdade deve ser a pedra de toque do debate público. Em vez de pensarmos tanto em narrativas e sistemas, precisamos nos interessar pelos argumentos e indícios concretos em favor das teses em disputa.