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Dona Telma era membro valioso da comunidade. Viúva e aposentada, ocupava-se dando aula de reforço e de catequese de graça em sua casa. Aos alunos sempre oferecia lanches, carinhos e mimos, pois D. Telma era puro amor.

Um dia, sem qualquer aviso, ela se jogou da janela.
D. Telma se jogou da varanda do 10º andar. Ficou extendida na escadaria do prédio onde morava, exposta ao olhar de todos os curiosos, transformada numa massa de carne difícil de descrever.

Foi estranho vê-la daquela forma, ela que era tão vaidosa e arrumada.
D. Telma tinha 78 anos quando se matou.

O marido havia morrido anos antes deixado-a numa situação confortável. Ela ainda tinha sua aposentadoria e, por conta da folga, viajava muito, passava semanas fora em passeios sempre incríveis.
Na nossa cabeça de menino - eu tinha 13 quando ela se matou - não haveria qualquer razão plausível para ela morrer assim.

Tinha seus filhos e netos, seu apartamento e seu dinheiro, ajudava um bando de crianças e viajava sempre.
Daí, fomos saber que D. Telma sofria de depressão fazia tempo, situação agravada com a morte do esposo.

E que as constantes viagens que fazia eram, na verdade, D. Telma escapando da rotina e tentando buscar ajuda em clínicas e na casa de familiares.
O instinto de sobrevivência é algo engraçado. Faz coisas malucas pela gente, sempre buscando a perpetuação da espécie.

Por exemplo, somente um percentual pequeno da população consegue morrer em sonho.
“Como os sonhos são uma ferramenta evolutiva para ensaiar o futuro, não haveria vantagem na simulação da própria morte.”

Assim, quando acontece de a gente sonhar com a própria morte, nosso instinto trata de acordar a gente, para evitar esse rumo.
É o mesmo instinto que faz com que tenhamos medo de riscos - o medo de altura, a prudência ao nadar em local fundo, a relutância em brincar com uma arma - são somente alguns dos exemplos da necessidade que temos de sobreviver, algo gravado no nosso DNA.
Então, penso na força que é a depressão, capaz de desligar o botão do instinto de sobrevivência, fazendo com que Telmas encarem o vazio em direção à morte diariamente, com um suicídio a cada 45 minutos no Brasil, sem contar subnotificações.
Os números são preocupantes aqui: de 2007 a 2016, 106.374 pessoas morreram em decorrência do suicídio - o Ministério da Saúde acredita que 2/3 dos casos estejam ligados à depressão.

Obviamente, nem toda a pessoa que se mata tem depressão, nem todos depresivos se matam.
Suicídio é a concretização da falta de sentido da vida, é o ápice de um processo de ‘morrência’. Ele costuma ser cometido por alguém que está definhando existencialmente, que deixou de acreditar em sua própria capacidade, como ser humano, de transformar a dor em amor”
Quem diz é a psicóloga Karina Okajima Fukumitsu, 46, que há 24 anos se dedica a explorar profissionalmente esse tabu - o suicídio.

Tabu porque é uma morte violenta, repentina e que confronta o sentido de instinto sobrevivência que temos.
Porque a pessoa começa a acreditar que a morte é mais interessante do que a vida.

As vezes a pessoa não quer morrer, ela só quer matar uma parte dela que está causando sofrimento, mesmo que saiba que viver sem sofrer seja uma utopia...
Karina diz que “não temos tempo e espaço para lidar com a vulnerabilidade humana. Isso que torna o suicídio abominável. Ele escancara aquilo que mais se quer esconder, sentimentos indesejáveis, como tristeza, raiva, fraqueza. Não cabe a ninguém julgar o outro.”
Suicídio não é loucura, fraqueza, covardia ou coragem.

“O suicidologista norte-americano Edwin S. Shneidman, referência no assunto, o definiu como um ato definitivo para um problema que deveria ser temporário.”
Se a gente pensar que cabe a cada um sua própria vida, o mesmo valeria para a morte - mas o ideal é que ela seja natural. Então, cada ser humano deve se apropriar e zelar pelos seus sentimentos, e pedir colo quando eles estiverem borbulhando.
Karina diz que “suicídio é uma dor sentida, mas não consentida.”

Ela, inclusive, criou um mantra, que é: se tem vida, tem jeito.

Se tem vida, tem jeito... repete sempre.
O suicídio é um ato de comunicação.

A pessoa, na maioria das vezes, tenta comunicar em morte o que ela gostaria de comunicar em vida. Por isso é preciso falar abertamente sobre isso.

Já perguntei a um amigo:

- Você quer se matar?

E ele foi franco e disse não.
Mas, recentemente, perguntei a uma pessoa que amo se ela queria se matar e a resposta foi sim.

Perguntar de forma direta se alguém quer matar-se jamais concretizará um suicídio.

Porém, perguntar “como posso te ajudar” certamente é acolhedor e transformador.
Por fim, é muito equivocado achar que quem tenta se matar está querendo só chamar atenção. Aliás, é ótimo que eles chamem atenção. Prejudicial é tratar com desprezo.

Se você não dá atenção agora, vai se sentir culpado por não ter atendido ao chamado de um ente querido.
Nós nunca percebemos qualquer sinal de depressão ou da vontade de findar os problemas que D. Telma tinha.

Por muito tempo nos sentimos culpados por não ter ajudado aquela mulher maravilhosa, que fazia da sua vida ajudar aos outros. Nos demos uma cobrança cruel.
Hoje sei que éramos só meninos correndo atrás de diversão e juventude, então nossa culpa se foi de forma calma.

Mas gostaria, naquela época, de ter perguntado a ela se poderia ajudar, e de dizer que, se tem vida, tem jeito, e talvez nosso despedir tivesse sido mais doce.
Se não tive tempo para D. Telma, sempre terei tempo para outras tantas pessoas nesse assustador universo de pessoas massacradas pela vida moderna, pelos problemas e pelas desesperanças.
Converse claramente sobre suicídio sem receio de influenciar ou prejudicar, sempre de forma positiva e acolhedora.

Esteja sempre disposto a ouvir.

Jamais menospreze a dor do outro.

Sugira ajuda profissional, como o @CVVoficial , que faz um trabalho lindo no país todo.
E lembre sempre:

A solução não deve ser um ato definitivo para um problema que é temporário.

Não existindo vida sem dor, nunca esqueça que “se tem vida, tem jeito.”
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