Thread by @apyus

Está cristalino que os extremos se alimentam. E que os extremos sabem disso.

A esquerda mais radical passou os últimos anos gritando “lobo”, mas buscávamos esse lobo e só encontrávamos um deputado do baixo clero falando absurdos sozinho, não aprovava nada.

Na outra ponta, ficava Olavo de Carvalho espalhando que o PT estava querendo transformar a América Latina na União das República Socialistas da América Latina.

Quando o governo Dilma começou a ruir, não sei se o pessoal das outras bolhas acompanhou, mas um bordão tomou conta dos sistemas de comentários: “Olavo tem razão!”

Aquele deputado baixo clero está hoje na Presidência, e outro bordão ganhou corpo da parte da esquerda mais radical: “eu avisei”.

Por que Bolsonaro usou a ONU para salvar o Brasil do socialismo, e não para salvar o Brasil da corrupção generalizada?

Bom, corrupto ele é, mas segue fingindo que não é.

Não deve ser isso.

A questão é que Bolsonaro precisa de um adversário extremista para justificar o próprio extremismo.

Ele precisa que a esquerda seja uma caricatura para ele poder continuar sendo a caricatura que é.

Quero crer que, quando Eduardo Jorge reclama do discurso de Greta, reclama da caricatura da coisa. Não se trata do que foi dito, mas de como foi dito. Da exploração de uma menor, da exploração da imagem de uma autista, do uso de um tom que só funciona com convertidos.

Os bolsonaros do mundo veem a cena e abrem um sorriso. O mundo hoje é outro. Há trocentas câmeras filmando tudo. Há trocentos analistas comentando cada vírgula do texto. Algo do tipo convenceria nos anos 1990, quando só jornalistas amigos domariam o discurso...

Agora os políticos driblam todos os filtros editoriais dos jornalistas e falam direto ao eleitor as próprias narrativas.

Os entusiastas vão elogiar o discurso de Greta. Os bolsonaros vão chamar de bizarro.

E o grosso da população vai achar bizarro. Porque foi mesmo.

Eu venho concordando com uma corrente minoritária que interpreta a vitória de Bolsonaro não como a vitória de um discurso autoritário, mas de um candidato autêntico, que, via de regra, apresentava ao público o que ele de fato era.

Trump segue essa linha. Zelensky também.

A alternativa era Meirelles se dizendo Geek, mas pronunciando “jique”. Era Haddad, aos 45 dos segundo tempo, se dizendo social-democrata. Era Ciro emulando um tom sereno que não teve a vida toda. Era Marina sacando sobre aborto um discurso dúbio que desagradava ambos os lados.

Daqui de onde vejo, a esquerda já chegou a lançar um candidato autêntico como este novo momento exige. E ele quase se tornou prefeito do Rio de Janeiro em 2008. A nova era poderia ter começado ali. Mas o trabalho não teve continuidade.

Desde então, a esquerda vive de expurgar qualquer alternativa mais moderada. Mandou um “gaslighting” contra Soninha, transformou Marina em inimiga de pobre (logo ela) e, num momento como esse, trata Tabata Amaral como traidora.

Eu vi algo parecido à direita nos últimos anos. De repente, de nada valia o que Joaquim Barbosa fizera no mensalão, João Doria virou um “socialista fabiano”, Amoêdo era um esquerdista infiltrado, Flávio Rocha, um dos primeiros empresários a pedir impeachment, virou dilmista.

Já era a máquina de difamação de Bolsonaro agindo para que ele fosse o único candidato à direita, o que o colocava no segundo turno em qualquer pesquisa.

É o que o PT faz hoje para que o PT, em 2022, seja a única opção à esquerda.

E aí teremos PT contra Bolsonaro de novo. E Bolsonaro vai abrir um sorriso, pois é sua melhor chance para se reeleger.

É isso o que vocês querem?