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Essa discussão no Bem, Amigos!, de que o Flamengo de 2019 é uma volta às origens, um resgate do futebol brasileiro é difícil...tem muita subjetividade e memória afetiva envolvida.

Precisamos ser objetivos. Quais os conceitos do time? De onde eles vêm?

Segue o....🧵👇
Se você tivesse que resumir esse Flamengo em termos táticos, meramente conceituais, quais seriam? Dá pra simplificar apontando quatro ideias principais:

1) Bola coberta e descoberta
2) Mobilidade para criar linha de passe
3) Intensidade a todo momento

De onde elas vêm?
Começando pela forma do Fla se defender, com bola coberta e descoberta. Esse conceito foi oficializado por Arrigo Sacchi no Milan, a partir do fim da década de 1980, como uma evolução de algumas coisas que a Holanda de 1974 e o Estudiantes de 1967/70 faziam sem a bola.
A ideia é simples: quando o adversário está marcado, a linha de defesa avança pra deixar os atacantes impedidos. Quando ele tá livre, a linha recua e busca acompanhar individualmente (em pequenos espaços) as linhas de passe desse jogador.

Mais aqui: glo.bo/2Jc4HEe
Bola coberta e descoberta é um conceito PURAMENTE europeu. Não tem NADA de brasileiro na forma que o Flamengo defende.

Dá uma olhada nesse vídeo aqui da Holanda e ver como os movimentos têm a mesma intenção dos movimentos da defesa do Flamengo.

Vamos pra segunda ideia: mobilidade e posse. Jogadores procurando espaços livres o tempo todo para receber à frente e colocar o time mais perto do gol.

A troca de passes em si foi uma invenção escocesa, lá por 1870. Era o "association football". Jogar perto, por associações.
Trocar passe é uma coisa básica que todo mundo copiou.

Mas a ideia de que ter a bola como o Flamengo teve contra o Corinthians, que trocou míseros 157 passes no Maracanã, foi um inglês: Vic Buckingham. Um inglês que acreditava que todo mundo precisava saber tocar na bola
Vic treinou o Tottenham, Ajax e Barcelona. No time holandês, ele viu uma jovem promessa da base e o levou ao time principal. Era 1965 e ele saiu ao fim do ano, mas a filosofia de Vic influenciou bastante aquele jovem que se chamava Johan Cruyff. Consegue ver os dois aí?
Só que o Flamengo é muito mais que posse de bola. É um time bem direto, na verdade. A maioria dos gols saem de contra-ataques e ataques rápidos, com 4 ou 5 passes da construção até a finalização da jogada. É mais Bayern de 2013 que Barcelona de 2011. Um pouco de futebol reativo?
Marcar bem para criar espaços lá atrás é uma ideia difusa e que muito time fez. Mas tem um que tornou isso oficial: a Inglaterra em 1966.

Alf Ramsey sacou que com mais gente no meio-campo, o time roubava bola e esses meias poderiam chegar no ataque se fossem rápidos e versáteis
Parece tão simples, mas antes da Inglaterra, a maioria dos times jogava no WM e 4-2-4 e eram estáticos. A bola ia jogador, que dava o passe e ficava parado.

(ainda tem muita gente que reclama que ponta volta muito, que tem que ficar na frente, mas é outro papo).
Chegamos na última coisa: intensidade. Essa coluna excelente na @folha narra como Jorge Jesus dá muito mais importância aos momentos que o jogador não tem a bola do que quando ele tem. O que fazer sem a posse, como se movimentar, que espaços ocupar?

www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/1…
Se tem um time que mostrou o que é intensidade foi a Hungria de 1954. Um falso nove na frente, mobilidade da linha de frente, meias que chegavam e recuavam. O primeiro time que se aquecia antes do jogo para entrar mais ligado e preparado.
Dizem que o Brasil, antes do jogo na Copa, ridicularizou o aquecimento. Perdeu por 4 a 2.

Agora faça a pergunta: o que o Flamengo tem de brasileiro? O que Jorge Jesus está resgatando? A resposta é simples: NADA.
Bola coberta e descoberta é um conceito puramente europeu, bem italiano. Mobilidade, linha de passe e intensidade são coisas criadas na Europa. Tudo o que JJ traz é criado e desenvolvido lá.

Nem todo futebol bonito é brasileiro.
A confusão que o Bodão fez no programa e que irritou Mano Menezes é entre análise e sentimento. O Flamengo pode ter conceitos totalmente europeus e PARECER um time brasileiro do passado, de futebol bonito, jogando. Até aí, tudo bem.

Só que isso é percepção. Não análise.
Se discute demais as sensações.

Ou é bonito, ou é feio.
Ou é bom, ou é ruim.
Ou é moderno, ou é atrasado.

E os conceitos? Ideias? Metodologias? O trabalho do dia-a-dia? Pedimos para nossos técnicos serem atualizados, mas nossa visão sobre o jogo está atualizada?
Jorge Jesus não é um salvador da pátria, um amante do futebol brasileiro do passado que está nos ensinando como jogar futebol.

Ele apenas traz conceitos que ele APRENDEU numa sala de aula e colocou em prática em campo. Ele não é um gênio, ele treina porque se preparou pra tal.
Por isso que debater se o Flamengo resgata ou não nosso futebol ou se aumenta ou não o sarrafo aos técnicos é inútil.

O debate é entender os cursos, as leis e as gestões que a Europa tem para que alguém como o Jorge Jesus transforme um time em 4 meses como este Flamengo.
A thread, com mais reflexões sobre o tema, em texto no @globoesportecom

globoesporte.globo.com/blogs/painel-t…
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