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Lucas Mafaldo @lucasmafaldo
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Estou aqui pensando em um negócio polêmico. Vou até dar um título para essa série de tuítes em caixa-alta: COMO A ESQUERDA E OS LIBERAIS ACABARAM FORTALECENDO BOLSONARO.

Lá vai.
Mas, antes de falar em Bolsonaro, deixa eu dar um passo bem para trás para eu explicar o modelo que estou usando. É uma espécie de manual de como NÃO debater.
Digamos que você descobre que eu falo muita besteira na internet, junta um grupo de pessoas que conhecem meus defeitos e começam uma campanha escrevendo um monte de textos para desacreditar minhas opiniões e aí...
...e aí vocês cometem o erro fatal: começam a dizer que minhas opiniões ruins nasceram dos meus estudos clássicos. E aí começam a tacar rótulos: "é claro que um platonista diria isso", "o que esperar de alguém que fez humanas?", "filosofia demais dá nisso".
Bom, aí mesmo que vocês tivessem razão no início (claro que não tinham, mas deixa para lá), a questão é que vocês acabaram de puxar uma briga com uma turma muito maior: agora todo mundo de humanas e filosofia está com um pé atrás com vocês.
O efeito será diferente em diversos grupos de leitores: (i) quem já odiava humanas, vai começar a gostar de vocês, pois agora encontrou um aliado; (ii) quem estava em cima do muro, vai pular para o lado anti-humanas. E esses dois resultados vão deixar vocês animados.
Porém, tem outros eleitores: (iii) tem aqueles que são fãs de humanas e, apesar de não ligarem para mim, vão agora tomar o meu lado, pois se sentiram pessoalmente ofendidos. Ou seja, de repente, vocês criaram MAIS SEGUIDORES meus por me atacar.
E ainda tem o quarto grupo: (iv) os que nunca ligaram para nada disso, mas que gostam de mim por outros motivos. Ao ver a virulência do ataque, eles pensam "que sacanagem com o Lucas; esses caras são uns otárias e esse negócio de humanas deve ser muito bom."
Resumindo: esse tipo de ataque não é apenas injusto (por ser baseado em argumentos falsos... afinal, minha imbecilidade não é culpa da minha área), mas tem efeitos negativos até para quem começou o ataque: eu acabei com um novo grupo de protetores!
E, por outro lado, apesar dessa ataque tem um efeito positivo para você no curto-prazo (você virou o campeão de um grupo), há também um efeito negativo: esse grupo... é muito ruim. É um grupo unido pelo ódio a algo abstrato.
Bom, mas agora vamos entrar na parte densa da polêmica: eu acho que é exatamente isso que fizeram com Bolsonaro. Essa mania de ficar dizendo que tudo que ele fazia era coisa de fascista, conservador, etc., CRIOU um grupo ao redor dele.
Obviamente, isso vem de muito tempo. E é uma estratégia que começou com a esquerda lá atrás, quando ela via fascismo em tudo quanto é lugar. E isso está sendo repetindo há tempo que você provavelmente acredita.
Mas eu quero oferecer outra interpretação: aquele tiozão do churrasco que diz que "tem que matar marginal", aquele taxista que diz que "no regime militar não tinha corrupção" NÃO é um fascista. Eles, na verdade, não têm ideologia nenhuma. Pessoas normais não em ideologia.
A grande maioria das pessoas NÃO tem uma teoria de governo. Eles têm opiniões superficiais, que surgem como reações ao cotidiano. O cara está puto porque foi assaltado, diz algo agressivo... mas provavelmente concordaria com você em um momento de calma.
Eles não são contra o estado de direito... eles só não pensaram muito sobre isso. Certamente adorariam morar nos EUA e na Europa se pudessem. Ver fascismo e autoritarismo nessas pessoas é ver coisa demais.
É interpretar um desejo (altamente compreensível) por segurança e prosperidade como algo ideológico e maligno.
Bom, mas eu estou obviamente falando do cidadão-médio e não do Bolsonaro. Mas eu acho que o Bolsonaro também não tem uma grande teoria de governo. Ele tem só as opiniões médias da população somadas a uma dose de positivismo que pegou no exército.
Então, mas aí fizeram com ele esse mesmo erro: em vez de criticar seus defeitos, os liberais se juntaram à esquerda na crítica... dos seus futuros eleitores. Em vez de isolá-lo, aumentou o sentimento de que todos estavam no mesmo barco.
Em certo sentido, eles tentaram fazer a mesma coisa que a esquerda fez uma geração anterior: usar a ameaça de um retorno à ditadura militar para se colocar como a opção madura. Mas esse medo passou. Ninguém mais liga para isso.
Nesse sentido, realmente tem uma analogia com Trump: se você começar a dizer que todo eleitor de Trump é racista, o sujeito que está em cima do muro (e sabe que não é racista) fica puto com você.
Do mesmo jeito que não dá para acreditar que 30% dos EUA é racista, não dá para acreditar que os 20% que votam em Bolsonaro são fascistas. Isso é um espantalho que insulta e aliena sua base.
O que eu lamento especialmente é que, por trás da briga retórica, não há praticamente nenhuma diferença programática (exceto legalização de drogas e aborto). Ou seja, em nome de duas pautas inviáveis, os liberais criaram uma guerra civil que fortaleceu seu inimigo.
Nada disso é irremediável, é claro. Bolsonaro ainda é o líder de um grupo pequeno que vai enfrentar uma máquina e um dinheiro enorme lá na frente. Hoje, eu apostaria que Alckmin é quem vai saber se colocar na centro-direita e roubar seus eleitores.
E, depois de ter tocado em todos os campos minados, espero não ter feito nenhum inimigo.

E, se tiver feito, lembrem-se que a culpa é dos cursos de humanas.
PS: no fim das contas, o problema é que ficou uma proibição de ser de direita no Brasil. Bolsonaro é o único cara que quis pegar esse eleitorado, que é pelo 25% da população (com mais 25% ao menos sendo de centro ou até centro-direita).
As pessoas sentiram o estigma que a direita trazia e resolveram bater no único candidato que não teve medo do estigma. Resultado: ele ficou parecendo ainda mais corajoso por assumir esse lado. Ficou blindado aos olhos da sua base.
Eu só ainda não acho que isso os leva aos 51% dos votos. Consigo imaginá-lo levando um monte de deputados e indo para o segundo turno, mas alguém com uma super-máquina me parece que acabará ganhando (como Alckmin ou Meirelles, embora não sejam minhas opções ideais).
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