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Tenho pesquisado sobre armas antigas para criar um RPG e uma coisa interessante que "descobri" é que essa coisa que nos vem à mente quando ouvimos falar em "catapulta" nunca existiu - muito menos na Idade Média.
O que existiu de mais parecido com isso foi o monankon ou onagro, uma arma romana algo semelhante, mas sem essa "concha", que só serviria para fazer peso e atrapalhar. Usava, em vez disso, uma espécie de funda, que ampliava o poder de arremesso do braço
O onagro, usado pelos romanos nos últimos séculos do império, era uma versão reduzida e simplificada da balista, uma arma de assédio mais sofisticada e poderosa
Entretanto, a balista e o onagro não sobreviveram à queda do Império Romano no Ocidente. Primeiro, porque no início da Idade Média faltavam artesãos e perícias para construir armas tão sofisticadas. Segundo, porque muitas guerras eram travadas em regiões onde elas eram inúteis
Balista, onagro e outras armas de assédio greco-romanas funcionavam com cordas torcidas, eficazes para acumular energia com tempo seco, mas que não funcionam debaixo de chuva. Serviam para a região mediterrânea, onde chove pouco na primavera e verão, quando se travavam as guerras
Por isso, a primavera começa em março, mês de Marte, pois para os romanos era o tempo de começar as guerras. Mas nos centros de poder da Idade Média, como as atuais França, Alemanha e Grã-Bretanha, podia chover em qualquer época do ano.
Então como fizeram? Adotaram uma arma inventada pelos chineses por volta de 400 a.C. que chegou a Bizâncio no século V e foi chamada pelos bizantinos de mangana, "máquina" em grego. Apareceu pela primeira vez no Ocidente em 885, para defender Paris de um ataque viking
A mangana, chamada em português manganela ou almangana (por via do árabe) é muito mais simples e não precisa de cordas torcidas. Só de uma pá de gente para puxar as cordas. Algumas delas precisavam de 250 puxadores
Vocês podem procurar à vontade entre iluminuras e ilustrações autenticamente medievais que não vão encontrar nelas nenhuma "catapulta", apenas manganas, manganelas e trabucos - uma versão aperfeiçoada da mangana na qual os puxadores são substituídos por um contrapeso
O trabuco ("trebuchet" em inglês) parece ter sido inventado em Bizâncio no século XI. Por não depender de força humana, mas de um contrapeso articulado, pode ser muito maior. Entretanto, é também mais lento - pode levar mais de vinte minutos para carregar e disparar
Pela rapidez e simplicidade, a mangana continuou comum. Precisar de muita gente não era grande problema, pois podia ser manejada por civis na defesa de cidades e castelos. As mulheres eram frequentemente chamadas a puxar as cordas
Uma mangana pequena era em português e outras línguas ibéricas "manganela", daí "mangonel" em inglês. "Trebuchet" vem de "trabuquete", diminutivo de "trabuco" - um trabuco pequeno e também simplificado, com contrapeso fixo. "Trabuco" vem de "trabucar", tropeçar ou dar cambalhota
Outras palavras usadas em português medieval eram algarraba ("poste" em árabe, para manganas pequenas) e almajaneque (do árabe "al-manjaniq", "a máquina"). O feixe de cordas era chamado "cabelo de bruxa" ou "véu de noiva"
De onde saíram, então, as catapultas do cinema e das ilustrações modernas? "Catapulta" , do grego katapeltes, era originariamente uma máquina de guerra romana para arremessar dardos (não pedras), também conhecida como escorpião (scorpio)
Mais tarde, porém, a catapulta propriamente dita foi ultrapassada por uma arma mais avançada, a manubalista e "catapulta" tornou-se um nome genérico para armas de arremesso - das quais, nos últimos tempos do império, o onagro era a mais comum
Os cronistas medievais escreviam de preferência em latim e a partir da Renascença, procuraram escrever em latim mais "puro". Em vez de neologismos "bárbaros" como "trabuco" e "manganela", usaram "catapulta", que era um termo usado por romanos clássicos.
Isso aparentemente confundiu autores de ficção histórica, ilustradores e até mesmo historiadores, que ficaram com a impressão de que "catapultas" de estilo romano - algo como onagros, as últimas catapultas romanas - continuaram a ser usados na Idade Média.
Os ilustradores modernos aparentemente também entenderam mal e misturaram descrições de armas romanas. Daí surgiram coisas como a inexistente "concha" da catapulta a confusão dos braços da balista com um arco, originando "Frankensteins" tecnológicos como essa ilustração de Doré
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