Thread by @louverture1984

Sobre Hong Kong, tentei tirar a manhã para falar um pouco mais sobre o tema. A raiz da polêmica, no Brasil, veio de uma nota do @psol50 chamada "todo apoio às mobilizações de Hong Kong". E aí, claro, isso gerou celeuma na esquerda brasileira.

Não é de agora que o PSOL faz avaliações apressadas, por meio de sua Executiva Nacional, sobre eventos em outras partes do mundo. O caso ucraniano, que levou a derrubada do presidente Viktor Yanukovich, é o mais famoso...a escalada neofascista no país foi irreversível.

Em parte, acho que isso se dá por uma linha que vi em alguns grupos morenistas, que chamo toscamente de "triunfalismo revolucionário", que pressupõe que todo levante de massas pode gerar uma revolução socialista. Logo, os partidos de vanguarda precisam sempre apoiar os levantes.

(o caso mais aberrante disso, no Brasil, foi o PSTU chamando para compor protestos de "Fora Dilma", em 2015, sendo a única força de esquerda que ainda defendeu participar dos protestos pró-impeachment)

Mas se o quadro geral parece ser esse, o quadro específico é complexo. Os protestos de Hong Kong vão se revelando, como tem sido a tônica global, politicamente difusos. A Jacobin, em junho desse ano, tentou capturar o momento, falando da importância...

...de grupos socialistas nos protestos, que de fato existem: jacobinmag.com/2019/06/hong-k…

Mas noves fora, tudo indica que cada vez mais eles são minoritários e estão ficando isolados. As lideranças mais reacionárias e mesmo xenófobas tem despontado e ganho mais palanque.

Essa matéria de um insuspeito jornal liberal de Hong Kong dá a tônica do problema: grupos mais autoritários agora estão defendendo o retorno da ilha a Inglaterra, inclusive usando as bandeiras e símbolos de quando a ilha chinesa era propriedade inglesa:
hongkongfp.com/2019/07/13/exp…

Para piorar, a @baruchinha fez uma boa thread explicando questões econômicas bastante singulares. A lei de extradição é especialmente prejudicial para os mais ricos, que teriam que responder juridicamente na parte continental por práticas ilegais - e por um sistema comercial...

...que abrange o eixo Taiwan-Malásia-Cingapura e que serve muitas vezes como válvula de escape de práticas de dumping financeiro na China. A lei inclusive foi tirada de pauta, mas os protestos continuam. Para muitos manifestantes, a China tem que garantir total autonomia a ilha.

As coisas, contudo, não deveriam permitir um alinhamento automático da esquerda com a China. Os relatos de alguns manifestantes indicam que o crime organizado vem ajudando na repressão dos protestos: nytimes.com/2019/08/02/opi…

Além do mais, essa longa e interessante entrevista na Jacobin com alguns líderes estudantis de esquerda mostra que parte significativa dos protestos está ancorada na repressão às greves e ao crescimento do trabalho informal no país: jacobinmag.com/2019/06/hong-k…

E mais do que isso, se de fato a questão econômica está no eixo das disputas, é bom salientar que essa é uma briga de cachorros grandes.

Vale lembrar que a China lançou mês passado uma nova bolsa de valores, o Star Market: theguardian.com/business/2019/…

E também vale lembrar que em maio desse ano, o Financial Times demonstrou preocupações sobre como os chamados "tech raids" promovidos pela China estão fragmentando o sistema bancário e ameaçando grandes corporações como o HSBC: ft.com/content/b5f48a…

Dito isso, as disputas colocadas parecem estar dentro de questões referentes ao domínio financeiro global. E chama atenção dois dados aqui, pouco discutidos:

1) A participação pequena de sindicatos e trabalhadores nos protestos em Hong Kong. É difícil encontrar notícias sobre...

...o tema, mas via de regra, os sindicatos estão numa postura mais cautelosa em relação aos protestos. Alguns inclusive possuem laços de solidariedade com o PCCh, então a questão não é tão simples.

2) Há uma presença cada vez mais forte de interesses britânicos em Hong Kong e...

...lembram do que eu falei dos manifestantes de direita usando a bandeira colonial? Bem, a China já vem anunciando que há apoio do governo inglês aos protestos: theconversation.com/hong-kong-prot…

Isso daria outro fio, que envolve a Guerra do Ópio, o colonialismo britânico, o surgimento do HSBC, a política de unificação chinesa, a revolução de 1949, etc. etc.

É coisa demais e que daria subsídio para um largo debate nas esquerdas.

Infelizmente, a nota do PSOL, é uma nota um tanto quanto vazia. Ela não discute esse contexto específico e fala somente em termos de liberdades civis - que é apenas uma parte dos protestos em Hong Kong.

Mas ao mesmo tempo, é uma nota contra a repressão.

E diante da futura emergência de protestos no Brasil, a nota sobre Hong Kong mantém uma espécie de coerência (ainda que despolitizada) sobre como os partidos de esquerda devem se posicionar perante a repressão a qualquer protesto.

É suficiente? Na minha opinião, não.

Ao mesmo tempo, o PSOL foi o único partido até agora a tirar uma posição oficial sobre o tema. Ainda que eu não concorde com a posição tirada, ela ao menos provoca o debate, dentro das esquerdas, sobre a situação de Hong Kong e China.

Esperamos só que a partir disso, o debate se qualifique mais, que pontos de vista divergentes sejam colocados na mesa e que consigamos politizar o debate a partir de diferentes pontos de vista.

Adendo: falando com a @baruchinha , ela lembrou muito bem que os trabalhadores da construção civil estão bastante ativos nos protestos - e há um forte conteúdo de classe, inclusive contra a desregulamentação da segurança no trabalho por parte das empresas sediadas em Hong Kong.