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Na verdade, falando por mim, o que me revolta é que esse debate já tá na História Social desde os anos 1970, no mínimo. E tem uma saída thompsoniana para ele: entender que a luta de classes precede a noção de classe social.

Como assim??? Segue esse fio.
Bem, significa entender que "classe e consciência de classe são sempre o último e não o primeiro degrau de um processo histórico real" (palavra da salvação na igreja E.P. Thompson dos Últimos Dias).

Ou seja, levou muitos séculos para as pessoas se reconhecerem como "classe".
Basicamente, foi preciso todo um novo modo de produção da vida social que criou uma esfera separada da vida social, no caso, a economia. De tal forma que hoje, mesmo que você não se reconheça em uma determinada classe, há instituições de toda a sorte que vão lhe "enquadrar"...
...em uma classe social, seja pela renda, pelo consumo, pelos investimentos financeiros, pelo trabalho, etc. E como são instituições poderosas, não adianta você simplesmente cagar para o que eles pensam sobre você, não é mesmo?

"Ah, mas e antes do capitalismo"?
Antes do capitalismo (ou pré-capitalismo) é toda uma outra história. Thompson nos diz que nesses contextos, podemos usar "classe" como um conceito heurístico, uma aproximação. Mas na hora de vermos o processo real e histórico de sociedades que não separaram a economia do...
...restante da vida social, elas dificilmente empregariam classe para se identificar. Poderiam se identificar por meio de localidade e pertencimento, religião, cor da pele, língua, sexo, gênero, estamento, casta... Mas todas essas definições seriam incompletas.
Incompletas, claro, porque a realidade social era mais complexa e não havia nenhuma instituição com força o suficiente para criar uma identificação dos sujeitos completamente independente da vida social.
Olhem o cristianismo na Idade Média; apesar do que se fala sobre a presença da Igreja, havia uma infinitude de debates teológicos e tensões religiosas - e é impressionante como elas pareciam dialogar mais com os camponeses despossuídos do que com os reis.
E aí nós vemos que nas muitas formas de divisão do trabalho que precedem o capitalismo, as formas de divisão da vida social se multiplicaram em contextos muito distintos. O que não quer dizer que não havia disputas sobre essas divisões.
O argumento thompsoniano é que em muitos casos, essas disputas tinham tons classistas, elas remetiam a questões de classe, mas não havia ainda uma identidade de classe que unificasse todos aqueles interesses (que é a reclamação do Marx sobre os camponeses franceses no séc. XIX).
Então como pode ser "luta de classes" se não tinha classe antes? Bem, aí o problema é semântico: se eu chamar de "conflito", a coisa ganha um ar mais nietzscheano e aí fica mais palatável, então?

Mas não é tão difícil entender que em qualquer sociedade com divisão do trabalho...
...existe uma luta acerca dessa divisão. E se existe essa luta, ela é a possibilidade de emancipação total do ser humano, porque para Marx, o trabalho é a nossa principal atividade criadora.

As formas dessa luta são muitas e uma visão muito economicista de classe...
...não dá conta de capturá-las. Se alguém pega para ler a obra de Christopher Hill, por exemplo, vai ver lutas com forte tonalidade classista entrecruzadas por questões religiosas e teológicas.

Se você pega um historiador como Paul Lovejoy, por outro lado...
...vai perceber que nos grandes impérios decadentes da África Ocidental no século XVI, a divisão do trabalho que antes acompanhava as tensões religiosas de sua época agora passam pelo início da racialização europeia e a formação do trabalho escravo no Atlântico.
"Ah, mas você vê luta de classes em tudo". Na verdade, mesmo numa sociedade em que a economia se separou do restante da vida social para condicioná-la de uma vez por todas (capitalismo), capaz de quantificar todo ser humano e nos transformar em cifras abstratas,...
...a forma política das lutas vai muito além da divisão social do trabalho. Mas, pela lógica atual, as únicas lutas que poderão transformar radicalmente a sociedade em que vivemos são aquelas que mexem com a forma como é produzida (e reproduzida) a vida social.
Ao meu ver, isso envolve se deparar com muitas formas de divisão social do trabalho na nossa sociedade, que incluem divisão sexual ou divisão racial, bem como desdobramentos geopolíticos, tensões religiosas, etc.

Dito de outra forma: temos dois caminhos aqui.
Ou a gente passa a considerar uma noção mais ampla de classe social, que envolva todas as formas de opressão que servem a manutenção do capital.

Ou a gente fica preso a noção economicista de classe. Classe quantificada, numerada, registrada.
Essa daí é a proposta de analistas financeiros que calculam, por exemplo, "labor cost" (ou custo da mão-de-obra), para ajudar os investidores a ver onde vão investir.

tradingeconomics.com/brazil/labour-…
Pra essa gente, é possível transformar a complexidade da vida social numa planilha de Excel.

"Ah, eu posso abandonar a noção de classe". Pode, claro. Eu também posso abandonar a lei da gravidade - mas isso não vai impedir que eu caia no chão.
Mas claro, lembrando bem que a gravidade é uma determinação física do nosso planeta.

Já a divisão social do trabalho no mundo regido pelo capital é uma determinação também, mas uma determinação humana. E se humana, histórica.
Pode ter um futuro "sem classe" (ó a deixa, @lackingclass )?

Bom, Marx apostava nisso. Mas para isso, a gente ia ter que acabar com a divisão social do trabalho e liberar todas as nossas capacidades e habilidades para o bem comum.
Acha isso utópico demais? Então, Rosa Luxemburgo sintetizou isso de outra forma: ou a gente implode essa bagaça, ou o que vem pela frente é só barbárie e mais barbárie.

dailymail.co.uk/news/article-5…
Pela atenção, obrigado. E leiam E.P. Thompson! :)

E marxistas do coração, se curtiram o fio, façam isso chegar nas pessoas certas. Esse debate tem que ser feito fraternalmente. Voadora na traquéia é só pra fascista. :)
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