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DESCONSTRUINDO JAIR BOLSONARO

Uma análise do discurso de @jairbolsonaro nas @NacoesUnidas, à luz da história, das tradições diplomáticas e, obviamente, dos fatos.

Siga o fio 👇🇺🇳🇧🇷
1) O discurso de Bolsonaro na ONU não deveria surpreender. A retórica populista, confrontacionista e falaciosa é marca registrada desde seus tempos de baixo clero. Tampouco deveríamos nos espantar c/o uso da ONU p/dizer o que ele sempre disse. Faz parte do jogo antiglobalista.
2) Mas é certo que o discurso de Bolsonaro rompe com a tradição brasileira de abertura do debate da Assembleia Geral da ONU. Historicamente, a fala dos representantes brasileiros era dividida em 2 partes:

A primeira é um sobrevoo pela agenda internacional, da perspectiva do 🇧🇷
3) Nessa 1a parte, o 🇧🇷 falava dos principais temas globais sob 1 ótica multilateral, principista e moderada (nossa marca histórica)

Na sequência, enumerávamos as conquistas do 🇧🇷 em termos de políticas públicas (economia, meio ambiente, DDHH) e como isso posiciona o país no 🌎
4) A "tradição" de presidentes 🇧🇷 discursarem na ONU é nova e tem a ver c/a diplomacia presidencial da Nova República.

O 1o a fazê-lo foi Figueiredo, em 82. Sarney foi 2x, @Collor 2x, @FHC 1x e @LulaOficial 5x.

@dilmabr e @MichelTemer falaram em todos seus anos de mandato.
5) Com a chegada da Assembleia Geral, restavam 2 dúvidas:

- Depois de tantas críticas às Nações Unidas (e ao suposto projeto globalista), @jairbolsonaro iria discursar no palanque mundial?

- Qual seria a finalidade de seu discurso? Mostrar p/o mundo um 🇧🇷 moderado ou radical?
6) Primeiro, a ida a NY confirma a força da diplomacia presidencial e da estratégia bolsonarista de ocupação de espaços (até as trincheiras inimigas).

Isso fica claro na decisão de Bolsonaro, mesmo convalescente, de ir a Davos e, agora, à ONU, nem que seja pra dizer + do mesmo.
7) Segundo, o discurso parece ter tido três finalidades:

- Mostrar ao 🌎 o "novo Brasil", seus princípios e convicções;
- Deixar claro quem são os amigos e inimigos (externos e internos);
- Reforçar a correlação de forças domésticas que articulam a política (externa) brasileira.
8) Ficou claro que o "novo Brasil" é uma projeção dos desejos olavistas + profundos. A palavra "socialismo" foi repetida 6x no discurso. Falou-se, cifradamente, em "marxismo cultural", "ideologia de gênero" e "globalismo". Apesar de pregar liberdade religiosa, falou 4x em Deus.
9) Estratégia principal do bolsolavismo, os ataques foram frequentes no discurso. Entre os inimigos do 🇧🇷 estão

- A mídia (6x), sempre acompanhada de adjetivos negativos (mentirosa/sensacionalista);

- A esquerda, associada a terrorismo, autoritarismo, corrupção e criminalidade;
10) - O socialismo, materializado em 🇨🇺, 🇻🇪 e no programa "Mais Médicos";

- As ONGs, que representam "interesses políticos e econômicos externos disfarçados de boas intenções" (2x);

- Potências como 🇫🇷 🇩🇪, que defendem pautas ambientais com suposto "espírito colonialista" (2x)
11) Como membros da confraria nacional-populista, não faltaram menções a @realDonaldTrump e @mauriciomacri (algo incomum num discurso na ONU) e aos parceiros preferenciais do "novo Brasil": 🇺🇸 🇮🇱 🇨🇱 🇯🇵 🇨🇳 🇸🇦 🇶🇦 🇦🇪. Todos antiglobalistas, conservadores, ou liberais econômicos.
12) A cacofonia que marca a política externa bolsonarista também se fez presente no discurso.

Não se trata de uma estratégia externa linear ou coerente, mas de uma disputa permanente entre os 5 Bs que sustentam o governo: boi, bala, bancos, Bíblia e bolsolavistas.
13) Boi e bancos formam o grupo liberal do governo, que quer comércio e investimentos;

Evangélicos e olavistas são antiglobalistas, preocupados com o tripé Deus, família e nação;

"Bala", com foco em segurança pública, está cada vez + longe dos militares e + perto de @SF_Moro
14) Todos os grupos foram contemplados no discurso.

A retórica agressiva sobre a Amazônia foi um presente p/ruralistas (que têm 2 ministros, @TerezaCrisMS e @rsallesmma) e p/olavistas, que se esbaldaram na afirmação da soberania nacional contra os inimigos globalistas de sempre
15) A questão indígena foi instrumentalizada p/esse propósito. Levando @ysanikalapalo a tiracolo, Bolsonaro leu carta do Grupo de Agricultores Indígenas, que reivindica a liberdade de exploração das reservas. Aproveitou p/atacar o cacique Raoni, símbolo 🌐 da luta indígena do 🇧🇷
16) Liberais ganharam referência tímida sobre reformas e acordos comerciais. Chega a ser irônico falar do Acordo Mercosul-UE ou de ingresso na OCDE após as brigas c/@EmmanuelMacron e o veto do parlamento da 🇦🇹. Para uma agenda doméstica tão central, falou-se pouco p/"o mercado".
17) Militares foram agraciados c/a defesa do protagonismo 🇧🇷 em Operações de Paz. O que poderia ser lido como um ponto alto da nossa política externa pode tb ser entendido como uma defesa do @gen_heleno, prócere do bolsonarismo de alta patente e polêmico comandante da MINUSTAH.
18) O outro lado da "bala", @SF_Moro, ganhou menção nominal. Moro segue como importante pilar do governo Bolsonaro, mas está sendo utilizado circunstancialmente para legitimar um presidente cada vez menos comprometido c/o combate à corrupção (e cada vez + atrapalhado c/os filhos)
19) Evangélicos e olavistas, por fim, dominaram o discurso sobre o "novo 🇧🇷". Teve até João 8:32, referência obrigatória do presidente que diz ter o monopólio da verdade.

A eles, aliás, foi dedicada a única pauta propositiva do discurso: o combate à perseguição religiosa.
20) Os cristãos, de fato, são amplamente perseguidos ao redor do 🌎. O curioso é essa fixação identitária vinda de um país (1) majoritariamente sincrético; (2) cujo presidente não respeita minorias religiosas; e (3) cujo chanceler @ernestofaraujo professa uma agenda anti-islâmica
21) Na 🇺🇳, Bolsonaro foi Bolsonaro. Manteve a estratégia de atacar e mentir sempre, retroceder jamais. Afagou todos seus apoiadores, mas falou p/os 15% de radicais que estarão com ele até 2022.

À exceção dos amigos, o resto do 🌎 deve ter ficado desapontado, mas não surpreso.
Dois brindes a essa análise: o primeiro, excelente trabalho da @agencialupa sobre as verdades, os exageros e as mentiras da fala do presidente na ONU:

piaui.folha.uol.com.br/lupa/2019/09/2…
O outro presente é o texto primoroso das queridas @AAbdenur (que você pode também seguir no podcast @aantropofaga) e @mafolly, que escreveram o "discurso dos sonhos" de um presidente brasileiro nas Nações Unidas:

theintercept.com/2019/09/23/dis…
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