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FLAMENGO 5 X 0 GRÊMIO - PARTE 4

“Se o Grêmio fizesse aquele gol, seria outro jogo”, disse Filipe Luís em entrevista.

De fato, a primeira chance importante do confronto foi do Grêmio.
De fato, o primeiro gol muda muita coisa num jogo de futebol.

Mas o que poderia ser diferente?
O primeiro tempo não foi exatamente equilibrado. Foi mais para caótico. O Grêmio entrou com uma estratégia de lançar para frente e brigar pela segunda bola. Com isso, o jogo ficou disputado, a bola muito viva.
Esse tipo de jogo dá a impressão de que qualquer coisa pode acontecer. Daí nasce a sensação de equilíbrio.

A primeira chance do Grêmio nasceu, sim, da estratégia de Renato Gaúcho. O Flamengo perdeu a bola tentando fugir da armadilha.

Mas, a partir dos 25 minutos, o controle estava completamente estabelecido. O Flamengo faria um gol a qualquer momento.

O gol saiu na melhor hora para o Fla: logo antes de acabar o primeiro tempo. Certamente os gremistas ficaram abalados.

O segundo gol veio com um minuto do segundo tempo e DESTRUIU o time do Grêmio psicologicamente. O jogo efetivamente estava vencido ali.

Muita gente reparou que o Grêmio diminuiu a intensidade da marcação pressão na metade do primeiro tempo. Recuou, deu campo ao Fla e foi engolido.

Alguns dizem que o time cansou fisicamente, mas parece estranho um time profissional cansar tão rápido num jogo tão importante.
Pessoalmente, acredito que o Flamengo simplesmente conseguiu encontrar as saídas para a estratégia do Grêmio. Foi se adaptando, crescendo, encontrando os caminhos e os jogadores do time gaúcho se sentiram forçados a recuar.

Mas também acredito num fator mental importante.
O futebol tem quatro dimensões fundamentais. É um jogo físico, técnico, tático e mental.

Todas, absolutamente todas, são importantes. Um time pode ganhar de um adversário mais técnico através de uma imposição física. Outro time pode usar uma armadilha tática para dominar...
O componente mental é quase sempre deixado de lado - em todas as suas nuances.

Isso acontece porque no nosso imaginário os jogadores não são pessoas. São apenas peças no tabuleiro, bonecos de videogame, que obedecem comandos com maior ou menor habilidade.
Na realidade, jogadores têm sonhos, medos, desejos e necessidades. Além de uma vida fora de campo (que a gente gosta de esquecer), têm também uma visão de futebol. Jogadores também têm suas convicções, assim como os treinadores mais cabeça-dura que conhecemos.
Portanto, não adianta um treinador ter boas ideias. É necessário que os jogadores “comprem” as ideias e estejam juntos no mesmo plano.

Quando o Ganso diz pro Oswaldo que ele é burro, não é apenas uma raiva de momento. É uma discordância fundamental na visão de futebol dos dois.
Jorge Jesus disse na coletiva após a goleada que “uma coisa é ensinar, outra coisa é saber ensinar.”

Está coberto de razão. Porque o que importa não é o que o professor ensina, mas o que o aluno aprende.
Se você quer comunicar uma ideia, deve entender a jornada complexa pela qual a outra pessoa irá passar. Ela precisa se interessar, entender, acreditar, se importar e agir.

Não é simples. Não é só gritar alto, bater palma ou colar recorte de jornal na parede.
Volto a uma história do Mourinho que já contei aqui. Depois de ganhar tudo pelo Porto, o “Special One” foi para o Chelsea. Os portugueses trouxeram, então, o italiano Luigi Delneri como substituto.

Ele durou 65 dias no cargo e não chegou a disputar um único jogo oficial!
O que aconteceu? Mourinho era um treinador muito à frente do seu tempo. Chegou no Porto implementando metodologias inovadoras, tecnologias de ponta e trazendo uma abordagem holística para o futebol.
Nos treinamentos, os jogadores eram protagonistas. Eram incentivados a encontrar soluções para os problemas do jogo e o papel da comissão técnica era guiá-los no processo, não impor a repetição de movimentos.
Esse tipo de abordagem gera o que se chama, em pedagogia, de "aprendizagem significativa". Cada novo conhecimento vai sendo adquirido em relação a conhecimentos prévios e às experiências únicas de cada indivíduo. Serve para física, matemática, sociologia e... futebol!
O Porto evoluiu absurdamente em dois anos e meio com Mourinho. Os jogadores evoluíram individualmente e sabiam disso.

Quando o novo treinador chegou, os jogadores sentiram que estavam andando para trás e protestaram. O homem perdeu o emprego antes de estrear.
Porque jogador de futebol de alto nível, pessoal, quer jogar futebol em alto nível.

Pergunta pro Gabigol se ele prefere fazer 15 gols por temporada ou 50. Quando o jogador sente que é melhor, sente que existe um caminho para ser melhor, ele joga pela ideia.
O maior mérito de Jorge Jesus foi apresentar uma ideia clara para os jogadores e incentivá-los a construir as soluções em campo, como protagonistas, dentro do modelo proposto.

Eles entenderam, acreditaram e agiram. Os resultados vieram. Eles passaram a acreditar ainda mais…
O time do Flamengo, mais do que qualquer outra coisa, sabe o que está fazendo.

Não é um time sortudo. É um grande time.

Mais importante que isso: não quer ser um time sortudo. Quer - e acredita que pode - ser um grande time!

A característica desse Flamengo que mais impressiona seus torcedores é a calma. Os jogadores parecem sempre extremamente conscientes do que aconteceu, do que está acontecendo e do que vai acontecer.

Isso ficou claro nos jogos contra Inter e Grêmio fora de casa. Foi surreal.
No Maracanã, o primeiro gol do Flamengo abalou o Grêmio, o segundo destruiu. O time não acreditava mais.

Sim, um gol gremista no início poderia ter mudado o jogo. Mas será que mudaria o final?

Acredito que não.
O Grêmio entrou para jogar a bola para frente e brigar. Saiu das suas características para forçar um jogo em que qualquer coisa podia acontecer.

E a impressão que ficou - apenas uma impressão - foi de que com 30 minutos os jogadores já pareciam não acreditar na ideia.
Nunca se pode subestimar o poder de uma ideia.

Não estou falando de um discurso, uma bravata, uma narrativa.

Uma ideia clara, concreta, real, que pode ser absorvida pelas outras pessoas, que passam a construir e fazer parte.

Uma ideia que nos tira o medo e nos torna maiores.
“Nada é mais poderoso do que uma ideia cujo tempo chegou”, disse Victor Hugo.

Os jogadores, a comissão técnica e a torcida do Flamengo acreditam na mesma ideia. Constroem essa ideia a cada jogo. Nosso tempo chegou.
PS: no fim das contas, não faz sentido ficar conjecturando o que teria acontecido se o gol tivesse saído. É um exercício de imaginação interessante, mas inútil na prática. O "se" não entra em campo. O fato é que Filipe Luis joga muito e tirou aquela bola para nossa alegria!
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