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Em 2001 nós morávamos em um casa grande no bairro do Jurunas.

A casa era meio escura, abafada, mas outro problema nos fez querer mudar dali: o local se tornava cada vez mais barulhento.

Principalmente para minha mãe, que trabalhava lendo e escrevendo, era insuportável.
Depois de alguma procura chegamos a uma casa bem bacana em um condomínio fechado em Ananindeua, uma cidade contígua à Belém.

O local era fantastica: seguro, silencioso, na beira de um lago. Tinha bosque, piscina, quadras de esporte...
...mas tinha um porém: a casa estava crua. Tinha sido erguida, toda a estrutura pronta, telhado bonitinho, mas faltava todo o acabamento, portas, janelas, piso, pintura.

Em resumo, era o esqueleto de uma casa que poderia, após algum investimento, se tornar um lar.
Vimos o valor: se vendêssemos nossa casa, mais um apartamento que minha mãe tinha, e raspássemos as economias, dava para comprar a casa e ainda fazer a obra.

Era arriscado, mas valia a pena e fizemos.

Quanto mais a obra avançava, percebíamos como a nova casa era grande.
A Casa do Lago.

A casa era gigantesca, ensolarada e ventilada, na beira de um lago. Eram três andares, sendo que só usávamos os dois primeiros. No terceiro só havia duas salas grandes e um sótão enorme.

O sótão era como um grande corredor em forma de U por cima de toda a casa.
Depois da obra pronta, morar ali foi viver no paraiso.

A gente saia de manhã cedo para Belém, passava o dia todo quase fora e só voltava de noitinha.

Noites de sono perfeitas. Finais de semana agradáveis tomando banho de piscina ou cacimba.

Estávamos no céu, até que...
As coisas estranhas.

A primeira vez aconteceu com minha irmã. Ela, minha mãe e meu pai chegavam de noite, a casa vazia e escura. Meus pais vinham distraídos, conversando, mas minha irmã olhou para a casa e viu uma luz acesa. E a luz apagou. Do nada. Bem rápido.
Minha irmã se assustou, chorou e não quis entrar. Achou que era visagem, porque ladrão seria improvável.

Para acalmá-la, meu pai ligou todas as luzes, abriu todas as portas e mostrou que não havia nada. Até no terceiro andar eles foram para deixá-la tranquila.
A segunda vez: minha cunhada chegava em casa, também de noite, a casa deserta e escura. Ela foi entrando pela garagem, que vai dar na cozinha, e teve a impressão de ter visto, pela porta de vidro da cozinha, um vulto se mover e sumir, como se correndo.
Ela se apavorou, correu para a rua e, para sorte dela, meu irmão chegava nessa hora.

Eles entraram pela cozinha e se viram as portas dos armário abertas, mas não estranharam. Revistaram a casa e nada. Depois, minha mãe disse que tinha deixado a cozinha arrumada quando saiu.
Agora, um aparte para descrever mais a casa.

1º andar. Sala, sala de jantar, cozinha, área de serviço, depósito e garagem. Toda avarandada.

2º andar. Três quartos e uma biblioteca.

3º andar. Sem uso, duas salas e sótão.

Tudo em quase 800 metros quadrados.
E o terreno:

Minha mãe optou por não ter piscina, então fez um bosque enorme em todo o terreno. Havia plantas e vasos por todos os lados.

As portas e janelas, esquadrilha de alumínio e vidro, tudo de correr (menos os quartos).
Depois dessas duas histórias, a coisa parece que desandou.

Nós ouvíamos com frequência janelas e portas se abrindo - mas lembrem que elas são de correr, então não era o vento.

E quando a gente ia ver, elas estavam realmente abertas ou fechadas.
Por vezes a gente saia e trancava tudo, e, quando voltava de noite, encontrava coisa aberta.

Da mesma forma, era frequente achar coisas fora do lugar, mas sempre coisa pequena, para deixar a dúvida se tinha sido a gente ou um fato misterioso...
Por vezes, no meio da noite, nós ouvíamos passos ou barulho de gente na casa, aí todos saíam para ver e não encontrávamos nada, nem ninguém.

E uma vez, ao abrir a porta de noite para beber água, achei ter visto alguém no escuro, mas entre correr e ligar a luz, tinha sumido.
A gente foi vivendo e convivendo com essas estranhezas sem nunca comprovar nada.

Por via das dúvidas, minha mãe só ficava sozinha na casa se fosse trancada, e reforçamos a segurança e a vida seguiu, e a história poderia acabar aqui, mas ainda tem o pior...
Tempos depois, meu irmão resolveu reformar o 3º andar. Ele e minha cunhada estavam chegando de São Paulo depois das residências, e decidiram morar no Lago.

A ideia era aproveitar o espaço do sótão e fazer um apartamento para eles, no começo da vida de médicos.
O sótão, como já falei, tinha o formato de U e pegava todo o espaço da casa. Ele, sozinho, devia ter uns 150 metros quadrados de escuridão e sombras.

Era lá que guardávamos resto de material de construção, malas, caixas, móveis velhos, coisas sem uso...
...no início só havia uma lâmpada lá, bem na entrada do sótão (uma única entrada).

Para ir mais fundo era necessário uma lanterna ou coragem, ou loucura, pois era certo uma baque ou topada.
Depois, por toda essa dificuldade, e porque meu irmão precisava levar arquitetos e engenheiros lá, meu pai mandou botar outras lâmpadas.

O sótão ainda era um local aterrorizante, mais ainda com a descoberta que fizemos, em um canto entre caixas e móveis.
Em um cantinho escuro, já na ultima perninha do U, havia:

Uma espécie de manta no chão, como se fosse uma cama improvisada. Ao lado, mudas de roupa pouco empoeiradas. Um anel de prata, gravado com cruzes. Latas de comida vazias. Um relógio barato.
Era como se fosse um ninho. Como se alguém dormisse ali...

E se alguém dormisse ali, como a gente ia saber?

A gente nunca ia no 3º. Começamos a ir mais quando meu irmão decidiu reformar. Entrar no sótão, acho que uma vez por mês, se muito, e sempre rapido e nunca no fundo.
Essa opção era terrível.

Imaginar minha mãe, irmã, cunhada e filha dormindo ali, com alguém estranho e louco dividindo espaço com a gente... alguém que a gente quase viu várias vezes, mas sempre conseguia se esconder nas sombras.

Havia outra opção, porém.
Podia ser que aquelas coisas sempre tenham estado ali. Elas podiam ser de algum dos operários que trabalhou na obra da casa, que usava aquele canto quieto e escuro para uma soneca.

Sei lá, mas, na dúvida, minha mãe ligou ao empreiteiro.
Ele ainda tinha a mesma equipe e pôde perguntar a todos.

Explicou a situação, disse que não era bronca, só uma dúvida, mas todos foram enfáticos em dizer que não usavam o espaço e jamais tinham comido lá. Faziam as refeições no barracão da obra.
Também, ninguém reconheceu relógio, roupas e anel... não era de nenhum deles.

Aquilo tudo foi parar lá de forma misteriosas e sem qualquer explicação - ou talvez houvesse, mas ninguém queria assumir.

Por fim, o empreiteiro acabou notando uma coisa interessante...
O relógio.

O relógio era bem barato e os ponteiros ainda funcionavam.

O empreiteiro perguntou:

- Quanto tempo vocês acham que dura a bateria de um relógio? Um ano no máximo? Esse relógio não foi esquecido na época da obra, ele foi esquecido tem bem menos tempo.
O conjunto tem quase 300 casas em terrenos de, em média, 20x100.

O conjunto tem 2 bosques enormes.

O conjunto tem um lago, que é braço de um rio.

Em média, fora moradores, entram quase 2 mil pessoas por dia, entre empregados, prestadores de serviços e visitantes.

Um mundo
Jamais descobrimos o que aconteceu.

Mas, de fato, após a descoberta, as portas e janelas de correr pararam de abrir e fechar sozinhas, ou de aparecer abertas... também diminuiu os barulhos estranhas e coisas movidas.
Se era alguém morando no sótão da Casa do Lago, a gente jamais vai saber.

Com o surgimento da obra, que acabaria com o sótão, talvez a presença estranha tenha fugido antes de ser descoberta, misturada na enormidade de pessoas que transitam por lá.
Ou, talvez, só tenha se mudado para outra casa vizinha tão grande, tão vazia e cheia de sombras e cantos obscuros como a nossa, e esteja, agora, observando o sono de outra família no meio da noite...

Fim.
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