Isso nos dá ocasião de refletirmos um pouco sobre a obra de Tolkien e sua influência sobre o Ocidente. Por Tolkien não foi apenas o criador de uma "mitologia pop". Na verdade, o propósito do autor era bem mais ambicioso: criar uma mitologia propriamente ocidental e católica.
Tolkien é um dos autores do chamado "renascimento católico inglês", que conta também com o Cardeal Newman (canonizado no último 13/10/2019), Chesterton, Hillaire Belloc entre outros.
É perceptível que a obra de Tolkien parte de um diagnóstico sobre o nosso próprio mundo: as nações estavam se afastando de Cristo, esquecendo seu Evangelho e mesmo repudiando sua identidade cristã.
A série da Amazon vai contar justamente as histórias dessa época (da chamada "Segunda Era", na mitologia tolkieniana), em que os povos da Terra Média se afastam e mesmo se revoltam contra os Valar (que são como anjos superiores, representantes de Deus no mundo).
Tolkien procura demonstrar como não adianta buscar qualquer solução para os problemas do mundo sem uma grande restauração moral, uma restauração da própria Lei do Evangelho nas sociedades. Essa é a temática de "O Senhor dos Anéis", que se passa na época seguinte, a Terceira Era.
Não adianta tentar, para Tokien, tentar combater o Mal com instrumentos inferiores a ele: a política agnóstica, as estratégias amorais ou mesmo a diplomacia covarde e relativista.
Isso é simbolizado na obra por aqueles que tentavam lidar com Mordor (a terra de Sauron, o inimigo de todos) através de acordos covardes (personagem de Saruman) ou do uso do Anel de Sauron contra Sauron (uma tentação de todos, mas especialmente do reino de Gondor, dos homens).
Tolkien demonstra que essas tentativas amorais e relativizadoras do Mal tornam o homem um seguidor do próprio Mal, pois ele é cooptado por ele e se corrompe. Não adianta nada disso: é preciso combater o Mal na raiz, isto é, no pecado.
A história inteira é uma lembrança disso: é preciso destruir o Anel, não usá-lo; é preciso combater o Mal, não ceder a ele; é preciso vencer o pecado, não cair nele; é preciso restaurar a Verdade no mundo, não viver uma mentira.
Durante toda a obra de Tokien somos levados a nos questionar se nós mesmos estamos fazendo nossa parte no mundo para que o Evangelho seja restaurado na nossa sociedade -- se nós mesmos estamos vencendo o Anel do Poder e ajudando a destruir a Mordor que domina o mundo moderno.
E o melhor de tudo é que, ao fim da história, somos forçados a perceber que todas as tentativas de restauração do Ocidente (lá também) que seguiram estratégias fracas, vazias, que apenas "esconderam o Anel" ou tentaram "fazer acordo com ele", fracassaram redondamente.
É uma lembrança, na literatura, do que profetiza Daniel sobre Cristo: "A ele foram dados império, glória e realeza, e todos os povos, todas as nações e os povos de todas as línguas serviram-no. Seu domínio será eterno; nunca cessará e o seu reino jamais será destruído" (7,14).
Só o Evangelho poderá restaurar o Bem no mundo, pois apenas a Cristo foi dado "todo o poder, nos céus e na terra" (Mt 28,18). O tema da obra de Tolkien é que qualquer salvação, das almas individuais e das sociedades, fracassará se não estiver profundamente enraizada em Cristo.
