My Authors
Read all threads
Sobre o tweet do jornalista que elogia a "educação" japonesa no metrô, muita gente já bateu nele com o dado mais evidente: os casos de assédio no trem, no Japão, são famosos (o que torna o elogio bizarro).

Mas cês sabiam que é possível ser "orientalista" com elogio também?
A @_pinheira , no seu texto do Intercept, mostrou isso com a admiração com os chineses terem construído um hospital em dez dias. É um feito impressionante, claro, mas a forma como isso é colocada traz, junto com o elogio, um desejo de objetificar esse outro.
Os elogios fazem isso também. Japoneses são bons em matemática. Chineses são laboriosos. Indianos são espiritualizados. No pensamento espontâneo, algumas das maiores populações do planeta são massificadas e condensadas numa qualidade, sem ambiguidade nenhuma.
(fora do orientalismo, mas no âmbito do racismo, vocês encontram casos semelhantes com homens negros no Brasil, onde o elogio se torna mera objetificação)
Mas eu gosto de ilustrar essas lógicas de forma didática em sala de aula (e o tweet do jornalista acabou de entrar num acervo de "puro suco de orientalismo" que eu venho colecionando). E para isso, eu gosto de usar um desenho da Disney: Mumbai Madness.

Esses novos desenhos do Mickey são curtinhos e bons para a sala de aula (tem na China e no Japão também...e no Japão, o foco é o trem, fica a dica).

Pra quem já leu o clássico "Para ler o Pato Donald", não deve ser surpresa o orientalismo da Disney.
Mas o tipo de percepção do Oriente mudou desde os anos 1970. E Mumbai Madness é a prova disso. Mickey não é um explorador ou aventureiro. Ele é um "nativo". Dirige um moto-taxi e aí começam a surgir milhares de referências a Índia (Bollywood, trânsito caótico, hinduísmo etc).
Tem algo de homenagem e elogio ali, Mickey saúda as vacas com reverência. Mas rapidamente vira estereótipo. O indiano que não se encaixa no tipo criado rapidamente fica deslocado, ausente, inexiste no campo da representação - uma representação com a marca Disney.
Gayatri Spivak discute essa ausência de representação em "Pode o subalterno falar", tratando de uma militante bengali que se suicida. Os discursos dominantes da época atribuíram o ato ao ritual do Sati (o flagelo das mulheres em devoção aos homens).
Mas o suicídio era decorrente de uma decisão consciente, de uma mulher que não se considerou capaz de cometer um assassinato político e que, temendo a represália da sua organização, tirou a própria vida.

Mas essa narrativa não cabia no estereótipo da mulher indiana do Ocidente.
Assim, retoma-se que mesmo quando se trata de um aspecto valorizado (numa sociedade machista e patriarcal, p. ex., a submissão das mulheres), qualquer ação que não caiba dentro desse modelo, parece que não há espaço para representação (estética e política) possível.
No caso da "educação japonesa", o interessante é o que está invisibilizado. Invisibilizar assédio no trem, por exemplo, é uma forma de não falar de violência contra a mulher - algo que talvez gere o incômodo de aproximar nós, bárbaros brasileiros, dos educados japoneses.
De toda a forma, o acervo "puro suco de orientalismo" segue crescendo. Excelente material para usar em sala de aula e ver como nossos estereótipos criam "outros" facilmente objetificáveis.

Até mesmo quando os estereótipos estão disfarçados de homenagem e elogio.
Missing some Tweet in this thread? You can try to force a refresh.

Enjoying this thread?

Keep Current with Fernando L'Ouverture

Profile picture

Stay in touch and get notified when new unrolls are available from this author!

Read all threads

This Thread may be Removed Anytime!

Twitter may remove this content at anytime, convert it as a PDF, save and print for later use!

Try unrolling a thread yourself!

how to unroll video

1) Follow Thread Reader App on Twitter so you can easily mention us!

2) Go to a Twitter thread (series of Tweets by the same owner) and mention us with a keyword "unroll" @threadreaderapp unroll

You can practice here first or read more on our help page!

Follow Us on Twitter!

Did Thread Reader help you today?

Support us! We are indie developers!


This site is made by just three indie developers on a laptop doing marketing, support and development! Read more about the story.

Become a Premium Member ($3.00/month or $30.00/year) and get exclusive features!

Become Premium

Too expensive? Make a small donation by buying us coffee ($5) or help with server cost ($10)

Donate via Paypal Become our Patreon

Thank you for your support!