Thread by @horacioneiva

Um dia depois da tão comentada decisão do Ministro Dias Toffoli sobre a suspensão dos processos com dados do COAF, consegui ler a decisão. Segue aí pra ver o que de fato foi decidido.

O que foi decidido?
Toffoli não disse que o compartilhamento de informações entre COAF e MP está proibido. Ele considerou que o caso se amolda ao Tema 990 da Repercussão Geral do STF e que, portanto, deveria aguardar o julgamento do RE 1.055.941

E o que diz o tal tema 990?
Ele trata da possibilidade de compartilhamento de informações sigilosas entre o Fisco (e, por consequência, instituições financeiras) e MP, para fins penais.

Por que isso está sendo julgado pelo STF?
O Fisco pode acessar informações sigilosas dos contribuintes, cf. ADI 2390/DF e outros. Mas o STF entendeu que isso é constitucional porque há transferência de info entre pontas sigilosas. É diferente do compartilhamento com MP

Em outras palavras: para o STF, é possível que as instituições financeiras enviem infos ao Fisco porque há sigilo dos dois lados. A instituição tem dever de sigilo bancário e o Fisco dever de sigilo fiscal. Não haveria, portanto, quebra de sigilo.

O MP não pode acessar os dados bancários de alguém?
Se tiver autorização judicial, sim. A questão é saber se o COAF, a Receita ou outros órgãos tb podem compartilhar c/ MP. Nesse caso, não haveria transmissão entre pontas sigilosas, mas acesso dos dados para fins de ação penal.

Então o Ministro disse que isso não é possível?
Não. O Ministro disse que o caso - saber se é possível compartilhar infos sigilosas com o MP, sem autorização judicial - será decidido pelo STF, que dirá se isso é possível ou não (RE 1.055.941/SP)

Toffoli poderia, legalmente, suspender todos os processos em curso?
Em tese, sim. O art. 1.035, §5º dá esse poder ao Relator do caso. Como existe uma questão constitucional pendente de julgamento, o CPC optou por suspender os processos que podem ser afetados por ela.

O caso do Flávio Bolsonaro se enquadra no Tema 990?
O MP obteve as informações do COAF. Pode ser controverso saber se o COAF está incluído nessa vedação. Me parece que está, na medida em que ele recebe, analisa e transmite para o MP detalhes de dados bancários sigilosos.

Há algum outro aspecto importante no caso do Flávio?
Sim. Consta na decisão que o MPRJ pediu informações ao COAF e este disse que iria pedi-la ao banco. Na prática, é uma quebra de sigilo sem autorização judicial, o que reforça o argumento do Bolsonaro.

O que, então, está errado na decisão?
Talvez a oportunidade. Toffoli reconheceu que o sobrestamento não era automático. Tb não havia qualquer pedido urgente contra o Flávio. É possível alegar que não havia necessidade na medida, mas esse é, confesso, um juízo muito subjetivo.

Isso é o fim das investigações contra corrupção?
Não. Primeiro porque o sigilo ainda pode ser acessado por decisão judicial (e o relatório do COAF serviria para justificar a quebra). Segundo porque essa matéria ainda será decidida pelo STF e Toffoli não apreciou o mérito.

Então, amigos, acho que isso resume minhas opiniões sobre o caso. Espero que tenha ajudado quem eventualmente estivesse sem entender o que está acontencendo.

Um follow up: Toffoli ressalvou o uso de dados do COAF com informações globais. Isso significa que não é qualquer info bancária compartilhada que está protegida por sigilo. Tb permite que os relatórios com dados globais sejam usados para pedir judicialmente quebra de sigilo.