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Em Abril a @_pinheira publicou uma matéria sobre sua vivência numa fábrica chinesa, ao lado dos trabalhadores-migrantes, a massa dos 'liudong renkou' q vieram do campo para as fábricas sob condições de extrema precariedade alimentar, segurança, sanitária e turnos de até 14 hrs.
Entre os detalhes, um pormenor arrepiante galvanizou minha atenção - o número absurdo de amputações de dedos na operação de máquinas. Não sou sociólogo e o jornalismo ñ mais está no foco primário do meu interesse. A poesia, literatura e arte revelam o que preciso saber do mundo.
Os poetas trabalhadores da China aparecem junto com a grande transformação da economia e da sociedade chinesa nos anos 80s: des-coletivização agrícola, privatização da indústria e formação de uma economia socialista de mercado.
Estima-se q 274Mi de migrantes chineses vieram do campo para trabalhar em minas, canteiros de obras, linhas de montagem e áreas urbanas. O trabalhador migrante se torna nessa nova figura pós-socialista: o trabalhador da cidade q vive à margem do socialismo de mercado.
Antes celebrados pela revolução comunista, termos políticos como “o povo trabalhador” (laodong renmin ), massas trabalhadoras ( laodong dazhong ) ou simplesmente trabalhadores ( gongren ) foram substituídos por uma nomenclatura cada vez mais pejorativa.
O trabalhador migrante (mingong, yimingong, nongmingong) é alguém que não se pertence. Essa "população flutuante" (liudong renkou), por definição, carece de lugar próprio, representativo na sociedade.
Com as demissões em massa nas estatais no final dos 90s, um nº crescente de trabalhadores migrantes rurais e trabalhadores urbanos desfavorecidos tornou-se novamente pessoas q “trabalham para o chefe” (dagongzai, dagongmei), um passo atrás na busca por subjetividade e autonomia
Essa rápida degradação do status do trabalhador, destituído de emprego vitalício e desprovido de benefícios sociais e da segurança de uma geração anterior de trabalhadores estatais, é habilmente capturada em um poema pelo ex-trabalhador da construção civil Xie Xiangnan.
Hoje, o poeta mais famoso dos trabalhadores migrantes é Xu Lizhi, de 24 anos, que se suicidou em 2014. Ele trabalhou na mega-fábrica de eletrônicos Foxconn em Shenzhen, famosa não apenas por fabricar produtos da Apple e de outros gigantes eletrônicos globais...
mas por um onda de suicídios em 2010 que expôs o mito sinistro de oportunidade e mobilidade social na linha de montagem: “Morrer é a única maneira de testemunhar que alguma vez vivemos”, escreveu um blogueiro na fábrica.
Os jovens poetas migrantes ñ acreditam no mito da mobilidade social - estão cientes de sua própria exploração. Desde meados dos anos 90, sua experiência de impotência fortaleceu sua literatura com uma força nova e convincente honestidade. Um dos mais conhecidos poemas de XuLizhi
Devemos voltar ao tema inicial - o corte de membros. Ironicamente, a linguagem é percebida como uma ferramenta insuficiente. Os poetas que escrevem sobre o corte de membros evocam o fatalismo silencioso com o qual a lesão é vivida.
A dor, tanto física quanto emocional, salta dessas páginas. O poeta Xie Xiangnan reprduz a fria linguagem de um relatório de acidente de uma trabalhadora que perdeu seus dedos.
Eles trabalham horas infernais sem segurança, bebem água de rios cheios de poluentes, inalam ar contaminado por gases venenosos. Eles correm o risco de sofrer ferimentos causados ​​por máquinas impiedosas que consomem não apenas a juventude, mas também as partes do corpo.
E eles encontram tempo fora dos turnos intermináveis ​​e o espaço em seus dormitórios lotados para escrever sobre suas vidas e publicar on-line usando um telefone celular básico.

Excerto de "A produção, no meio da produção, é impregnada pela produção", de Xie Xiangnan
Uma série de mini-documentários sobre a poesia dos migrantes-trabalhadores chineses pode ser vista aqui - este é o nº 1
O livro do Xu Lizhi pode ser acessado online aqui

parisolnet.files.wordpress.com/2014/12/foxcon…
Devo render meu tributo ao belo trabalho de Rosana, a nossa @_pinheira . Digo "belo" por ser a sua 1ª qualidade, a q o torna preponderante ao lado do saber e do engajamento. Lhe deixo o poema da poeta-operária Zheng Xiaoqiong, q fundou sua própria e distinta “estética de ferro”.
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