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HABEMUS PARTE III. Por que as eleições nos EUA são tão complicadas? Vamos a mais um fio gigante. Se vc ainda não leu, recomendo ler as 2 primeiras partes desse fio aqui
Relembrando q a resposta à pergunta feita nesse fio passa por entender q: 1) a constituição dos 🇺🇸 é resultado de uma série de esforços e compromissos para se encontrar um CONSENSO entre diferentes Estados e 2) não havia praticamente NADA parecido com uma democracia em 1787
Terminamos a parte II falando sobre como os pais fundadores desenhariam o método de seleção dessa figura que, assim como o telefone e luz elétrica, ainda não tinha sido inventado em 1787: o presidente da república
O método de seleção dessa nova figura – o presidente (chamado tb de “1º magistrado”) – foi um dos temas q mais atormentou os delegados na convenção constitucional. Eles se debruçaram sobre semanas até chegar a uma fórmula q fosse aceitável pela maioria
Não foi nada fácil chegar a um consenso sobre como selecionar o presidente. Um dos mais ativos delegados da convenção, James Wilson, afirmou: “Esse assunto dividiu muito a Casa, e tb irá dividir o povo lá fora. Foi realmente o tema mais difícil de todos os q tivemos q decidir”
O q era óbvio é q os Estados seriam os elementos básicos de qualquer desenho constitucional. É fundamental reforçar: OS ESTADOS EXISTIAM ANTES DO PAÍS. A questão era qual grau de autonomia eles iriam atribuir a esse governo central q estavam criando
*Pausa p/ uma breve digressão: veja q no Brasil foi o contrário. Nossos Estados foram na prática criados muito depois da independência em 1822, com a constituição republicana de 1891, q deu certo grau de autonomia aos Estados brasileiros
Ao contrário dos americanos em 1787, os brasileiros em 1891 tinham onde se inspirar para constituir sua república federativa: os Estados Unidos. E assim o fizeram. Não à toa viramos à época “República dos Estados Unidos do Brasil”
O caminho do 🇧🇷 para se tornar uma federação é, portanto, exatamente o oposto dos americanos. O Brasil parte de um governo centralizado para um menos centralizado. Os americanos, o contrário. Isso é chave p/ entender os diferentes desenhos institucionais
*Fim da digressão. Voltando à questão da seleção do presidente nos EUA. Em linhas gerais, tinham 2 propostas mais relevantes discutidas na convenção constitucional em 1787
Uma das propostas para a seleção do presidente era a mais radical: q fosse eleito DIRETAMENTE pela população. Nada remotamente parecido existia em 1787
Tendo lido as partes I e II desse fio, vc deve imaginar os obstáculos enfrentados pela ideia de eleição direta do presidente naquele contexto. Havia grande preocupação com a “paixão das massas”. Não à toa, James Wilson, o delegado q mais defendeu o voto direto, acabou isolado
Outra proposta mais debatida foi q o presidente fosse escolhido pelo Congresso, como uma espécie de primeiro-ministro. Note q mesmo isso era uma novidade
Na Inglaterra, o primeiro-ministro era escolhido pelo monarca. A ideia de q isso caberia ao parlamento estava apenas começando a ganhar força entre os britânicos
Ou seja, não eram apenas as repúblicas q eram raras em 1787. O moderno sistema de monarquias parlamentaristas na Europa só se desenvolveria totalmente ao longo do século seguinte
Portanto, nem aqui os pais fundadores tinham muitas referências. De cara enxergavam um problema com a eleição do presidente pelo Congresso: isso o tornaria muito subordinado ao poder legislativo, criando uma indesejável relação de dependência do executivo com o legislativo
Após muitos debates, a convenção constitucional acabou rejeitando ambas as propostas: tanto a eleição direta via voto popular, quanto a indireta via Congresso. Começou a bater um desespero – eles tinham q chegar a uma fórmula ou não haveria constituição
Tendo descartado tanto o voto direto como a eleição pelo Congresso, os delegados chegaram a uma espécie de meio-termo, adotando uma ideia um tanto aristocrática de um corpo (ou "colegiado") de “eleitores” qualificados q teriam a responsabilidade de eleger o presidente
A solução q acabaram chegando foi produto de longos debates: um “COLÉGIO ELEITORAL”.
A noção de “Colégio Eleitoral” é como o “Colégio dos Cardeais” q elege o Papa. Lembrando q a palavra colégio no seu sentido original vem do latim “collegium”, derivado de “colligere” q significa reunir
No Federalista nº 68, Alexander Hamilton explica a lógica do Colégio Eleitoral afirmando q a seleção do presidente “deve ser feita pelos homens mais capazes de analisar as qualidades necessárias à situação, agindo sob circunstâncias favoráveis à deliberação”
Hamilton via o Colégio Eleitoral como forma de evitar a eleição de presidentes com “talentos para a intriga rasteira e os pequenos truques da popularidade”, já q os eleitores do colégio estariam menos expostos “aos calores e fermentos q podem ser comunicados a eles pelo povo”.
E novamente atingimos o limite do @Twitter para o fio. Vamos à 4ª (e última) parte...
@Twitter Claramente, Hamilton, em 1797, estava preocupado com o q hoje chamamos de populismo...
Respondendo à acusação de q com o Colégio Eleitoral estariam criando uma espécie de aristocracia, os fundadores destacavam a proibição de títulos de nobreza e o fato de q todos os poderes do governo federal derivavam “direta ou indiretamente” do povo
Da forma q os pais fundadores enxergavam, os representantes da vontade popular ERAM OS DEPUTADOS, NÃO O PRESIDENTE. Os senadores, p. ex., eram escolhidos pelas câmaras estaduais, não por voto direto. Isso só mudou em 1913 com a 17ª emenda estabelecendo eleição direta p/ senadores
Restava então decidir COMO esses distintos eleitores do Colégio Eleitoral seriam escolhidos. A solução foi (como era de se esperar se vc está acompanhando esse fio atentamente) q essa tarefa deveria caber aos Estados
Com esse contexto em mente podemos entender a frase q acabou na constituição: “Cada Estado deve apontar, da forma q for decidida por sua legislatura, um número de eleitores igual ao número de Senadores e representantes que aquele Estado tem no Congresso”.
Esse é o trecho da constituição q define o Colégio Eleitoral. Em outras palavras, cada Estado tem direito a um determinado número de eleitores no Colégio Eleitoral igual o número de deputados + senadores q aquele Estado possui no Congresso
Por essa razão o total de eleitores no colégio eleitoral é igual ao nº de senadores (100) + nº de deputados (435)=535. Desde 1961, com a 23ª emenda q atribuiu 3 votos eleitorais ao Distrito de Columbia, são 538
Como todos os Estados tem o mesmo número de Senadores (2) e ao menos 1 deputado, o nº mínimo de votos q um Estado tem no colégio eleitoral é 3. É o caso de alguns Estados pouco populosos como as 2 Dakotas
Estados mais populosos tem mais deputados. A California tem 53 deputados, logo, somados os 2 senadores, conta com 55 votos no Colégio Eleitoral. E assim por diante
Para ser eleito, o presidente precisa de 50% (269) + 1 dos votos no colégio eleitoral, portanto, 270. Esse é o número mágico
Tendo explicado as origens do Colégio Eleitoral é hora de destacar o seguinte: é óbvio q muito mudou entre o final do século XVIII e hoje. Muitas coisas não foram antecipadas pelos pais fundadores. O q tenho tentei destacar aqui é o contexto em q o bicho surgiu
Há um trecho muito relevante na frase citada acima q acabou na constituição, q é chave para entender as transformações no papel do Colégio Eleitoral ao longo dos anos. A parte q diz: “da forma q for decidida por sua [do Estado] legislatura.”
Isso significa q, constitucionalmente, cabe aos Estados definir a forma de seleção dos eleitores do Colégio Eleitoral. Nas primeiras eleições presidenciais, cada Estado foi testando diversas formas de seleção dessas pessoas
Com o tempo, e o desenvolvimento dos ideais democráticos, foi se consolidando a ideia de q caberia a população escolher esses eleitores. Ou seja, os eleitores do Colégio Eleitoral passaram a ser eles próprios eleitos pela população do Estado
Assim, quando os californianos vão às urnas nas eleições presidenciais, estão em tese escolhendo os 55 eleitores q irão compor o quadro de 538 eleitores no colégio eleitoral q por sua vez selecionarão o presidente
E a forma de seleção dos eleitores para o Colégio Eleitoral q predominou na maioria dos Estados foi o “winner-takes-all”, ou seja, o Estado atribui todos os seus votos no Colégio Eleitoral ao vencedor daquele Estado
A razão disso é q imaginou-se q concentrando todos os votos do Estado em um candidato (em oposição, por exemplo, a atribuir os votos de forma proporcional) aumentaria e influência daquele Estado no Colégio Eleitoral
Assim chegamos (ufa) ao sistema mais ou menos como ele funciona hoje. Em fios futuros, vou tratar de outros aspectos e detalhar pontos q eventualmente tenham ficado pouco claros. Fiquem à vontade p/ dar sugestões!
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