Thread das boas. Queria chamar a atenção de vocês para um aspecto da reação do governo federal à crise do coronavírus que, até por conta dos aspectos técnicos e complexos envolvidos, está passando batido: o forte apoio aos bancos (comerciais e de investimento).
As ações do governo para "gerar liquidez" estão sendo contadas de maneira muito mais florida do que na verdade é. Só hoje, como detalhei na minha newsletter, foram publicadas quatro medidas que beneficiam diretamente as instituições financeiras, fora o alívio no compulsório.
É preciso um esforço para ver benefício indireto a pessoas e empresas. Vou pontuar da maneira mais didática possível (dentro das minhas limitações) quais medidas foram essas. Mas antes, alguns pontos importantes:
Não há, nessas movimentações do Banco Central, nenhuma obrigação adicional imposta aos bancos para que usem o boost de grana livre para dar mais crédito para pessoas físicas e pequenas empresas a juros baixos, por exemplo.
As regras de contrapartida dos bancos não foram alteradas. Até aqui, os bancos comerciais e de investimentos só receberam alívios. Para além do que já são hj obrigados a fazer, não há exigências de compensação. Estancar a sangria social será movimento voluntário dos bancos.
Se eles quiserem colocar o dinheiro liberado de novo para rodar no mercado financeiro, comprando o título Y, apostar em derivativos, etc, é a própria empresa que vai definir isso. Talvez eles concluam que é mais negócio emprestar para famílias neste momento. Talvez.
1) As instituições financeiras poderão pegar dinheiro emprestado junto ao BC para cobrir investimentos que elas venham a fazer, até 30 de abril, em empresas, por meio da compra de títulos (debêntures) emitidas por grandes companhias (S/A). A garantia serão esses papéis.
Na prática, o governo é quem pagará por esses investimentos, mas quem decidirá, de maneira geral, em que empresas investir serão os bancos. O BC se compromete a fazer uma análise de risco das garantias e até, eventualmente, uma lista de ativos aceitos. Seria um atenuante. A ver.
2) Entre as tantas operações que os bancos são autorizados a fazer no mercado, uma delas é a emissão de Letras de Crédito do Agronegócio. Trata-se de um título de renda fixa emitido pelos bancos para turbinar o setor do agronegócio.
Agora, mais bancos de investimento, especialmente, poderão ter uma fatia maior de dinheiro livre da necessidade de aplicação em crédito rural. Terão mais liberdade pra fazer outras operações com o dinheiro captado. Folga de R$ 400 mi para cada banco com patrimônio de até R$ 5 bi.
3) Um outro tipo de título emitido pelos bancos é a Letra Financeira. É título de renda fixa, com regras rígidas. Por exemplo, o dinheiro não pode ser resgatado pelo investidor antes do vencimento, que é de pelo menos dois anos.
Agora, o BC poderá adquirir esses títulos de forma privilegiada, podendo resgatar o valor dele em apenas um ano. Os bancos também foram autorizados a quadruplicarem o volume de recompra de Letras Financeiras emitidas por eles e já comprada por investidores. Mais caixa.
4) Os bancos já podem atrair seus clientes a aplicarem grande volume de dinheiro em sua instituição oferecendo uma garantia especial do Fundo Garantidor de Crédito. Essa garantia dá ao investidor a certeza de que, se o banco quebrar, ele recuperará até R$ 20 milhões.
Usualmente, para ter direito de oferecer esse tipo de garantia, o banco tem que depositar todos os meses, no FGC, 0,83% do valor dos depósitos vinculados a essas garantias. Agora, o BC liberou os bancos a depositarem apenas 0,03% - praticamente zerando os encargos, portanto.
Mais que isso, agora os bancos de maior porte ficam liberados para captar até R$ 2 bilhões por meio desse tipo de garantia diferenciada. Outro agrado: os bancos deveriam começar a pagar uma contribuição extra mensal ao FGC em abril deste ano. Passou para junho de 2021.
Me perdoem o tamanho do fio. Mas é que, por mais pragmatismo que busquem me injetar, é pesado demais pra mim ver bancos lucrando quantias astronômicas e ainda precisando desses "empurrões" do governo para colocarem dinheiro pra quem está precisando numa crise dessas proporções.
