Thread by @Cochise

Há mais de um século, um velho humorista, George Bernard Shaw, escreveu uma peça de teatro maravilhosa, chamada O Discípulo do Diabo.
Acompanhe uma thread sobre o moralismo e como isso é uma grande besteira, teatro velho e apologia à putaria.

Shaw era um iconoclasta. Achava que a sociedade tinha um monte de opiniões sagradas que precisavam ser contestadas, porque eminentemente erradas.
Para contestar, ele escrevia peças que o texto parecia até inocente a primeira vista, e adicionava prefácios e posfácios deliciosos.

Nos prefácios e posfácios ele discorria sobre o sentido da peça, e quase sempre a peça era um ataque a esses valores estúpidos, porém inquestionáveis da sociedade.
As peças eram quase sempre comédias, mostrando que você pode fazer humor contra o sistema. Mas vamos à peça.

A peça conta como o Vida Loka da aldeia, que vivia nos bares e era uma má influência para todos, aceitou ser preso injustamente e se recusou a entregar o pastor da aldeia ao inimigo, para o bem geral. A peça se passa nas 13 colônias durante a Guerra de Independência.

A peça gira em torno de uma máxima que não é explícita, mas é a base do puritanismo: "Se privar de prazer e sinônimo de ser bom."
Não faz muito sentido, mas observe as denominações pentecostais, o moralismo que quer policiar cu alheio, a condenação à boemia...

Essa máxima puritana deriva de dois elementos do cristianismo: que "o sofrimento redime" e que "O mundo é impuro".
O problema é que tem um salto lógico imenso de partir dessas dias premissas que até sustentam a ascese para dizer que ser bom é sofrer e gozar a vida é ser mau.

Isso, porque mesmo que você defenda que é desejável ser ascético, isso não tem nada,absolutamente nada a ver com bem e mal de um modo mais geral.
Mas a partir dessa confusão, as pessoas passam a avaliar a bondade das pessoas pela ascese, não pela bondade mesmo.

Por isso, Shaw escreveu uma peça em que o homem de vida dissoluta, entregue à bebida e às mulheres, é a pessoa incapaz de entregar o compatriota ao inimigo pra se salvar. Para mostrar que o personagem continuava crível. Que a contradição só existe na cabeça duns tradicionalistas.

Shaw não critica as pessoas que resolvam por qualquer tipo singular de masoquismo se entregar à ascese. Critica essa confusão social de confundir ascese e bondade, que faz a sociedade considerar hedonistas maus. E, o que além disso sustenta o policiamento dos corpos?

O que além dessa confusão ente prazer e maldade justifica a sociedade perseguir pessoas que querem apenas viver bem?
Esse moralismo está nos xingamentos de "comunista de iPhone", na avaliação do preço dos ternos do Emicida, na condenação das prostitutas à uma subidadania, etc.

Esse moralismo tacanho funciona com base em uma lógica mesquinha de "qualquer pessoa que tenha mais prazer que eu é pior que eu".
Mas claro, é hipócrita. Porque cria exceções para o prazer "aceitável".

Assim, o uso de maconha é condenável, mas não o de álcool. A balada é errada, mas não o churrascão de domingo. A rave é errada, mas não o retiro. E, mais surpreendente, a prostituição é errada, mas não seus clientes.

Pondé está certo quando fala de uma sociedade do ressentimento, mas erra quando aponta os ressentidos. Os ressentidos são os puritanos de todos os tipos, que baseado no seu ressentimento contra quem tem mais prazer que eles, os atacam como "a perdição da sociedade".

É preciso combater o moralismo, o puritanismo e seu ressentimento tóxico, seu julgamento ético baseado em fatores que estão longe de serem éticos, sua confusão secular do cu com as calças.

Obrigado por vir ao meu TED Talk.

Adendo: Obra em inglês: archive.org/details/forpur… (Na edição "três peças para puritanos")
Obra em português:
estantevirtual.com.br/livros/bernard…