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Existe dois pólos no uso da linguagem: o filosófico-artístico e o político-jornalístico. A internet deslocou a linguagem para o pólo filosófico-artístico.
Essa diferença é a seguinte: o filósofo e o artista tentam traduzir aspectos da experiência humana para a linguagem comum. Eles ficam observando o próprio mundo interior, procurando o melhor modo de transformar sentimentos e intuições em fórmulas verbais.
Esse atividade é muito importante, porque nós frequentemente sofremos de coisas que não entendemos bem. Nossa mente fica circulando ao redor de sensações incômodas -- e tão mais incômodas quanto mais incompreendidas. Quando alguém transforma isso em linguagem, temos uma clareza..
.. e um alívio imediato. Por isso, gostamos tanto de consumir os mais diversos produtos culturais -- de poesia para shows de stand-up, é a mesma coisa que está acontecendo: colocando sentido no nosso mundo interior.
Porém, é muito arriscado produzir esse tipo de produto cultural. Afinal, o filósofo-artista está sempre buscando introduzir uma nova experiência no discurso. Logo, a primeira reação do público pode ser de incômodo causado pela dissonância ("que coisa estranha é essa"?).
A maior parte da sociedade irá sempre parar na dissonância, por um motivo extremamente válido: talvez a experiência que o artista está tentando evocar não seja relevante para certas pessoas -- seja porque está no momento errado ou nunca fez parte da vida daquela pessoa.
Por exemplo, uma bela obra que trate da proximidade da morte talvez não toque alguém que está em um momento particularmente corrido da vida. Ou obra que trate da experiência da paternidade não toque um adolescente angustiado.

(Sem falar nas diferenças de estilo e personalidade)
Tudo isso é perfeitamente normal. Uma obra de arte não procura tocar todo mundo. Porém, as pessoas que ela toca, ela pretende tocar de um modo muito profundo: a pessoa sente que algo essencial da própria vida foi refletida naquela narrativa.
Por isso, uma obra pode ser um sucesso absoluto mesmo tocando apenas uma pequena fração da população. Caso um mesmo produto atinja 200 mil brasileiros, por exemplo, ele terá atingido apenas 0.1% da população, mas pode ainda ser um sucesso absoluto dependendo do efeito no 0.1%.
O pólo político-jornalístico funciona de um modo inteiramente diferente. Seu objetivo não é atingir profundamente uma pequena parcela da população, mas atingir superficialmente uma parcela enorme da população. Um político, afinal, precisa agradar uns 50% da população para vencer.
Para agradar 50% da população, você não deve jamais tocar em pontos da experiência humana que não foram bem trabalhados pelo discurso comum. Você precisa ser um "atleta das convenções". Você precisa dizer aquilo que as pessoas já concordam do jeito que elas esperam ouvir.
O pólo político-jornalista é a voz da autoridade pública. As pessoas querem ser tranquilizadas por alguém capaz de repetir, ponto-por-ponto, os dogmas da tribo.

É por isso que "debate eleitoral" não é realmente debate no sentido dialético. Não há troca de ideias. É um teste...
... para ver quem consegue "atuar" melhor como representante das convenções estabelecidas.

O objetivo do discurso político é diametralmente oposto ao discurso filosófico. Enquanto o filósofo fala para uma parcela mínima da população interessada no tema, o político fala para ...
... uma massa desinteressada. Por isso, o filósofo pode escolher a expressão que fará sentido apenas para os 0.1% que queiram passar horas em cima de um texto, enquanto o político precisa discursar para os 99.9% que irão prestar atenção por apenas dois minutos.

Isso muda tudo.
O político precisa controlar sua imagem. Ele fala com um olho no que quer dizer e o outro no público. Ele não pode nunca andar muito longe das convenções. Ele precisa construir uma imagem público coerente com as expectativas da população.

Invariavelmente, isso significa que...
... o político precisa de uma personalidade simples, bidimensional, superficial, padronizada.

O filósofo-artista não precisa se preocupar tanto com sua auto-imagem. A primeira impressão que ele passa não é tão importante. Ele possui uma vantagem enorme em relação ao político...
... que é pode desfrutar de muito mais do que os dois minutos de atenção concedidos pelo grande público. Um leitor dedicado passa dezenas de horas com o mesmo livro. A mesma música será ouvida centenas de vezes.

A questão já não é a primeira impressão, mas a milésima.
Esses dois pólos, aliás, não está presentes apenas nessas profissões. Eles estão em nossas vidas. Todos nós vivemos na tensão entre eles. Ninguém pode abrir mão dos dois.

Mesmo os políticos possuem seus momentos de criatividade. Mesmo os filósofos precisam de conformidade.
Embora sejam limites ideais, é importante pensar o quanto participamos em cada em um deles, pois a proporção deles terá um efeito enorme em nossas trajetórias de vida. Alguns profissões exigem uma dimensão muito mais política do que criativa.
Caso sua carreira esteja voltada para o grande público (um jornalista, um CEO) ou em em um ambiente corporativo ou burocrático, o peso das convenções será bem maior.

Caso você esteja em uma ambiente descentralizado, com múltiplos pequenos clientes, você pode ser mais criativo.
Creio que a internet mudou muito o eixo em direção do lado criativo. Ninguém quer mais saber o que grandes corporações pensam (universidade x, jornal y). Eles querem entrar nos perfis pessoais e saber o que Fulano de Tal pensa de um assunto.
A internet também permite que a gente passe bem mais tempo ouvindo uma única personalidade. Pense na época de Nixon vs. Kennedy. O mundo todo os ouvia, mas os ouvia apenas por alguns minutos. Eles estão em todas as casas, mas filtrados pelos comentaristas de rádio e TV.
Agora um candidato à presidência pode ir no Joe Rogan e passar duas horas conversando. A equação "intensidade vs publicidade" mudou. O percentual do público do @joerogan é menor do que uma grande rede, mas ele tem um efeito bem maior na parte que o assiste.
Isso tem um efeito tanto no fluxo de informação, mas também no tipo de personalidade que pode aproveitar essa mudança.

O tipo de pessoa capaz de ficar bem na fita por dois minutos é totalmente diferente do sujeito que aguenta duas horas de exposição.
Esse é o lado positivo. Mas tem também um lado negativo: a força do consenso volta quando as pessoas começam a usar as redes sociais para patrulhar os outros. É o peso das convenções voltando depois de uma época de liberalização -- um neomoralismo, portanto.
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